Ana Martins Marques

Ana Martins Marques

Belo Horizonte
1742
0
2


Prémios e Movimentos

Oceanos 2016FBN 2012

Alguns Poemas

Relógio

De que nos serviria
um relógio?

se lavamos as roupas brancas:
é dia

as roupas escuras:
é noite

se partes com a faca uma laranja
em duas:
dia

se abres com os dedos um figo
maduro:
noite

se derramamos água:
dia

se entornamos vinho:
noite

quando ouvimos o alarme da torradeira
ou a chaleira como um pequeno animal
que tentasse cantar:
dia

quando abrimos certos livros lentos
e os mantemos acesos
à custa de álcool, cigarros, silêncio:
noite

se adoçamos o chá:
dia

se não o adoçamos:
noite

se varremos a casa ou a enceramos:
dia

se nela passamos panos úmidos:
noite

se temos enxaquecas, eczemas, alergias:
dia

se temos febre, cólicas, inflamações:
noite

aspirinas, raio-x, exame de urina:
dia

ataduras, compressas, unguentos:
noite

se esquento em banho-maria o mel que cristalizou
ou uso limões para limpar os vidros:
dia

se depois de comer maçãs
guardo por capricho o papel roxo escuro:
noite

se bato claras em neve:
dia

se cozinho beterrabas grandes:
noite

se escrevemos a lápis em papel pautado:
dia

se dobramos as folhas ou as amassamos:
noite

(extensões e cimos:
dia

camadas e dobras:
noite)

se esqueces no forno um bolo
amarelo:
dia

se deixas a água fervendo
sozinha:
noite

se pela janela o mar está quieto
lerdo e engordurado
como uma poça de óleo:
dia

se está raivoso
espumando
como um cachorro hidrófobo:
noite

se um pinguim chega a Ipanema
e deitando-se na areia quente sente ferver
seu coração gelado:
dia

se uma baleia encalha na maré baixa
e morre pesada, escura,
como numa ópera, cantando:
noite

se desabotoas lentamente
tua camisa branca:
dia

se nos despimos com ânsia
criando em torno de nós um ardente círculo de panos:
noite

se um besouro verde brilhante bate repetidamente
contra o vidro:
dia

se uma abelha ronda a sala
desorientada pelo sexo:
noite

de que nos serviria
um relógio?

Um café com a Medusa

Ou será então que você acredita, teria ela, escreve Beyle, ainda acrescentado, que Petrarca foi infeliz só porque nunca pôde tomar um café? 

W. G. Sebald, Vertigem 



Tudo o que com os olhos toco
ela diz 
transformo em pedra 

mas tudo é já 
desde sempre pedra 
pó futuro 

seus pais eram filhos do mar e da terra 
cetáceos de um mundo arcaico 
informe ainda 
mas ela é mortal 
destinada, como nós, ao pó 

Ovídio diz ter sido justo e merecido 
o castigo que lhe impingiu Atenas 
transformando seus cabelos em serpentes 
porque ela se deitara com Poseidon 

são desde sempre as mulheres, ela diz, 
condenadas pelo que fazem no leito 

desde sempre amputadas 
de suas terríveis cabeças 

mas hoje estamos velhas
ela e eu 
cansadas de refletir o tempo 
como um escudo 

só queremos tomar nosso café 

cada serpente que lhe adorna a cabeça 
fala em uma língua 
e a traduz 

mas na realidade 
falamos pouco 
enquanto olhamos o porto 
e ela ajeita as asas 
na cadeira 

cúmplices 
ela e eu 
(embora eu evite 
confesso 
olhá-la nos olhos) 
tomamos nosso café quase 
em silêncio 

ela diz que agora sonha apenas com o mar 
que seus cabelos são algas e não serpentes 
e que dançam lentamente no fundo de um oceano 
cheio de monstros, como são os oceanos, 
lagostas enormes e águas-vivas 
e outras incongruências marinhas 
corais e conchas que são 
como estojos 
e baleias que vivem até duzentos anos 
o que para ela é nada, alguns segundos 
como de fato é 

e rimos as duas
que duas velhas sonhem ainda 
e sempre o sexo 

é talvez o que há no desejo de mais cruel 
quando nele há tanto de cruel: 
que ele dure, continue 
e às vezes seja só desejo 
do desejo 
e seja móvel e mesmo 
como o mar 

aos que não têm mais pátria 
seja porque se exilaram 
seja porque o país se exilou de nós 
e toma a forma dos nossos pesadelos 
seja porque na realidade não há países 
mas extensões variáveis de terra 
que as nuvens sem passaporte 
atravessam 
resta só a memória do mar 
ela diz 
batendo inutilmente 

o mar e o café 
ela diz 
e, a cada qual, 
suas serpentes
Ana Martins Marques – A relação do poema com o tempo e com a linguagem
► Encontro Marcado com Ana Martins Marques (completo) - 31/10/2019
O LIVRO DOS JARDINS I ANA MARTINS MARQUES I VRATATA
Viva voz: Festival de poesia - Ana Martins Marques conversa com Marília Garcia
Bilhete | Poema de Ana Martins Marques com narração de Mundo Dos Poemas
O Brinco | Poema de Ana Martins Marques com narração de Mundo Dos Poemas
Prêmio Oceanos: 'O livro das semelhanças', de Ana Martins Marques
mesa 17 | Ouvir o verde, com Alejandro Zambra e Ana Martins Marques - áudio original
O livro das semelhanças (2015), de Ana Martins Marques. Prof. Marcelo Nunes
ACIDENTE - Ana Martins Marques
Resumo O livro das semelhanças - Ana Martins Marques
Resenha: Risque esta palavra, de Ana Martins Marques
Ana Martins Marques na conferência Percursos da poesia
O Livro das Semelhanças [Entrelinhas]
Ciclo UFMG, 90: Desafios contemporâneos – Ana Martins Marques
MINICURSO - Vestibular UFPR "O livro das semelhanças" - EP 01
A POESIA QUE ME APROXIMOU DA LINGUAGEM: O livro das semelhanças
Resenha: O Livro das Semelhanças, de Ana Martins Marques
[FEITO POR MULHER] EP. 10: A literatura de Ana Martins Marques 😍📚
POEMA NÃO DE AMOR I ANA MARTINS MARQUES
A Poesia são os Outros #2: Ana Martins Marques
Ana Martins Marques - "Da arte das armadilhas"
Visitas - poema de Ana Martins Marques (Revista Bravo!)
A DANÇA | ANA MARTINS MARQUES| quarentena poética | episódio 1
Latinale 2021 - Ana Martins Marques und Michael Kegler
Resenha: Como se fosse a casa, de Ana Martins Marques e Eduardo Jorge
Marina Ruy Barbosa lê trecho do livro Inspirações e poema de Ana Martins Marques
Poema de Ana Martins Marques
Palavra de Poeta (20) - O Beijo, de Ana Martins Marques
Poema | Ana Martins Marques - Minas | Declamando Poesia | Poetisa Brasileira | Poetas Contemporâneos
🌸 Todo Dia Poesia #3 🌸 Ana Martins Marques
[RESENHA] O livro das semelhanças (Ana Martins Marques) | Canal Jéssica Mattos
TENHO QUEBRADO COPOS, DE ANA MARTINS MARQUES | RECITANDO POESIA
mesa 17 | Ouvir o verde, com Alejandro Zambra e Ana Martins Marques - tradução para o português
Orações Inter-religiosas Declamadas | Último poema, Ana Martins Marques
VERSO E VOZ - SÉRIE POETAS MINEIROS | ANA MARTINS MARQUES, por Odilon Esteves
COMO SE FOSSE A CASA I quarentena poetica I ANA MARTINS MARQUES
Ana Martins Marques: Minha Casa São Meus Retratos |Poesia Brasileira Contemporânea Declamada Recitar
RISQUE ESTA PALAVRA, de Ana Martins Marques | Livros por Lívia
Orações Inter-religiosas Declamadas | Um jardim para Ingeborg, Ana Martins Marques
Ana Martins Marques - Lado a lado [Poema]
O Livro das Semelhanças, de Ana Martins Marques #VamosAtravessar
O Livro das Semelhanças: Ana Martins Marques e o erotismo que vem das coisas
DA ARTE DAS ARMADILHAS // ANA MARTINS MARQUES // POESIA
Acidente-Ana Martins Marques
#64 A poesia de Ana Martins Marques
Hora da Poesia | Poema não de amor, Ana Martins Marques | Centro Cultural São Bernardo
Ana Martins Marques - A Estrela [Poema]
Coro de Vozes | Virada Cultural 2020
O último poema, de Ana Martins Marques

Quem Gosta

Seguidores