Chacal

Ai de mim, aipim


ai de mim, aipim.
ô inhame, a batata é uma puta barata. deixa
ela pro nabo nababo que baba de bobo. transa
uma com a cebola.
aquele hálito? que hábito! me faz chorar.
então procura uma cenoura.
coradinha, mas muito enrustida.
a abóbora tá aí mesmo.
como eu gosto de abóbora.
então namora uma.
falô. vou pegar meu gorrinho e sair poraí pra
procurar uma abóbora maneira
té mais, aimpim
té mais, inhame

Bermuda Larga


muitos lutam por uma causa justa
eu prefiro uma bermuda larga
só quero o que não me encha o saco
luto pelas pedras fora do sapato


In: CHACAL. Comício de tudo: poesia e prosa. São Paulo: Brasiliense, 1986. p.179. (Cantadas literárias, 48

20 anos recolhidos


chegou a hora de amar desesperadamente
apaixonadamente
descontroladamente
chegou a hora de mudar o estilo
de mudar o vestido
chegou atrasada como um trem atrasado
mas que chega

Caleidoscópio Cinemascope


a vida é um cristal
que se reflete em pedaços
a vida como ela é
é a coleção dos cacos

vi um filme que Aladim
da lâmpada tirava um gênio
ele era James Dean
que tinha a cabeça a prêmio

eu parti do Irajá
passando por Paraty
eu ainda chego lá
até onde quero ir

vi um filme que Fellini
fez num ensaio de orquestra
tinha tiro de canhão
e acabava numa festa

se no mato me perdi
nesse mato me acharei
entre mais de mil picadas
numa delas sou o rei

eu vi Deus e o diabo
dançando na terra do sol
Glauber Rocha era o máximo
tão bom quanto rock-and-roll

minha estrada é um filme
cheio de amor e ódio
pra onde quer que me vire
cinemascope caleidoscópio.


In: CHACAL. Comício de tudo: poesia e prosa. São Paulo: Brasiliense, 1986. p.112-113. (Cantadas literárias, 48

Curral de Deus


cães ladram ao longe
galos abrem o berreiro
cigarras se despedem da vida
sapos coacham a verdade

e assim vai mais um dia
nesse curral de Deus.


In: CHACAL. Comício de tudo: poesia e prosa. São Paulo: Brasiliense, 1986. p.40. (Cantadas literárias, 48