O L
De carne mole e pele bambalhona,
Ante a própria figura se extasia.
Como oliveira — ele não dá azeitona,
Sendo lima — parece melancia.
Atravancando a porta que ambiciona
Não deixa entrar nem entra. É uma mania!
Dão-lhe por isso a alcunha brincalhona
De pára-vento da diplomacia.
Não existe exemplar na atualidade
De corpo tal e de ambição tamanha,
Nem para intriga igual habilidade.
Eis, em resumo, essa figura estranha:
Tem mil léguas quadradas de vaidade
Por milímetro cúbico de banha.
Publicado no livro Mortalhas: os deuses em ceroulas (1924).
In: MENEZES, Emílio de. Obra reunida. Poemas da Morte, Poesias, Últimas Rimas, Mortalhas, Esparsos e Inéditos. Org. Cassiana Lacerda Carollo. Rio de Janeiro: J. Olympio; Curitiba: Secretaria da Cultura e do Esporte do Estado, 198Germinal
Passou. A vida é assim: é o temporal que chega,
Ruge, esbraveja e passa, ecoando, serra a serra,
No furioso raivar da indômita refrega
Que as montanhas abala e os troncos desenterra.
Mas o pranto, afinal, que essa cólera encerra
Tomba: é a chuva que cai e que a planície rega;
E a cada gota, ali, cada gérmen se apega
Fecundando, a minar, toda a alagada terra.
Também o coração do convulsivo aperto
Da dor e das paixões, das angústias supremas,
Sente-se livre, após, a um grande choro aberto.
Alma! já que não é mister que ansiosa gemas,
Alma! fecunda enfim nas lágrimas que verto,
Possas tu germinar e florescer em Poemas!
Publicado no livro Poemas da morte (1901).
In: MENEZES, Emílio de. Obra reunida: Poemas da Morte, Poesias, Últimas Rimas, Mortalhas, Esparsos e Inéditos. Org. Cassiana Lacerda Carollo. Rio de Janeiro: J. Olympio; Curitiba: Secretaria da Cultura e do Esporte do Estado, 198Na Glorificação de Bilac
Como é bom elogiar quando nasce o elogio
De um entusiasmo assim, de uma emoção sincera:
Corre sobre o papel a tinta como um rio
A correr na caudal que o declive acelera!
Os vocábulos vêm espontâneos a fio,
Como os sorrisos sãos que um são deleite gera!
Rebenta o aplauso em nos, vigoroso e sadio
Como rebenta a flor em plena primavera!
Eis porque sou feliz em ver glorificado
Fora da inveja hostil, do despeito perverso
O prosador querido, o poeta muito amado!
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Da arte, no sangue real tens o teu estro imerso
Porém, não basta, Mestre! um simples principado
— A quem é rei, na prosa e imperador no verso!
O D E
Este é o ranzinza-mor, porém no bom sentido.
Monta guarda à pureza e à precisão do idioma.
É o espectro do imbecil, o horror do presumido;
Contra ele a arraia miúda o ódio que tem não doma.
Geninhos da Garnier, geniões de ar sucumbido,
Poetinhas de salão, poetarrões de redoma
Que deturpam a língua, ai deles! é sabido:
O cacete é aforismo e a cacetada é axioma.
Mas este foge a lei (que aliás é conceituosa)
De que a crítica faz só aquele que, perverso,
De produzir, o orgulho e a delícia não goza.
De pena o bico atroz, no vernáculo, imerso,
Se a sabe esmerilhar, sabe polir a prosa,
Se o sabe criticar, sabe compor o verso.
Publicado no livro Mortalhas: os deuses em ceroulas (1924).
In: MENEZES, Emílio de. Obra reunida: Poemas da Morte, Poesias, Últimas Rimas, Mortalhas, Esparsos e Inéditos. Org. Cassiana Lacerda Carollo. Rio de Janeiro: J. Olympio; Curitiba: Secretaria da Cultura e do Esporte do Estado, 198L de F
O rosto escuro em pontos mil furado.
Se lhe move da boca em derredor.
Não consegue um segundo estar calado
E é de S. Paulo o tagarela-mor.
Traz, de nascença, o todo avelhantado
De um macróbio infantil e, — coisa pior. —
Dá idéia de que já nasceu usado
Ou de que foi comprado no belchior.
Tudo nele é exagero, até a atitude
De saudar elevando o diapasão:
"Nobre amigo! Mui fuerte e de salude?"
No mais é um excelente amigalhão.
Mas que voz! É o falsete áspero e rude
De um gramofone de segunda mão.
Publicado no livro Mortalhas: os deuses em ceroulas (1924).
In: MENEZES, Emílio de. Obra reunida: Poemas da Morte, Poesias, Últimas Rimas, Mortalhas, Esparsos e Inéditos. Org. Cassiana Lacerda Carollo. Rio de Janeiro: J. Olympio; Curitiba: Secretaria da Cultura e do Esporte do Estado, 198