Gilson Nascimento

Brincando de criança


Mergulhar no passado de mansinho
É tarefa que cumpro a cada instante
Detendo-me da existência no caminho
Alço vôo e então pouso no distante

Quem me leva de volta é a saudade
Que vive no meu peito se aninhando
No entardecer da vida quem não-há-de
Viver sempre o seu ontem namorando

Namoro-o, sim, e é o pensamento
Que tudo alcança dentro de um momento
De tão ardente amor a viva chama

Apagá-la? Jamais! Pois, na verdade,
De criança brincar, fugir à idade
É algo que a velhice sempre ama.

Beijo injeitado


Cabôca, si tu subesse
O tamãin do meu amô
Tu nunca mais rifugava
Meus beijo, minha fulô

Tu sabe donde eles vem?
Num duvida de eu não!
Vem dum cantim resguardado
Todo de seda forrado
No fundo do coração

E feito pomba-de-bando
Eles de lá vão fugindo
E no sangue margúiando
Devagarim vão subindo.

Pelo sangue trafegando
Me dando febre e tremô
Sem avexame si pranta
Nos beiço-ôi dágua de amô

Mas quando eles se arrelia
Mode tua boca incontrá
Valei-me, Vige Maria!
Tu inventa de rejeitá

Tem dó de eu, meu pecado
Adocica meu sofrê
Vivo cos peito arroxado
De tanto beijo injeitado
É grande o meu padecê

Si hoje tu dé um não
Com a verdade machucado
Me imbrenho por esses mato
À moda boi desgarrado
Mas levo no coração
Cum afeto, cum devoção
Qual jóia de estimação
Todo esses beijo injeitado.

A morte do escorrego


Do Escorrego a bica se finou
Como cantava! Agora emudeceu
Foi o homem, bem sei, que a magoou
Insensível e forte, ele a venceu

Perdida a sombra leve do arvoredo
Os pássaros, tristonhos, debandaram
A secura e o sol lhes deram medo
Bateram asas, longe, além, pousaram

Do bambusal se foi o sombrear
Da água não ouço o forte marulhar
Na paisagem há dor, há solidão

Na serra amiga os olhos meus pousando
Antevejo-lhe o verde estertorando
A implorar a nossa proteção

Biête do sertão


Zé, meu fi, esse biête
É pra mode ti contá
Que eu tive ternantonte
No nosso amado sertão
E com a boca escancarada
Numa bruta gargaiada
Tudo se ria pra mim.

As prantação bem verdinha
Viçosa, já cricidinha
Os pé de pau fulorado
Os boi, lustroso e cevado
E o pasto cuma um tapete
Ispaiado pulo chão
Tudo se ria pra mim

As nuve, baixa e cinzenta
E o ri com a água barrenta
Com aquele gargulejá
Qui faiz gosto se iscutá
Curria brabo, avexado
Cuma quem faz um mandado
Pra no má si dispejá.

E os pés de mi bunecando
E os pendão balançando
Com o vento que da lonjura
A chuva ia assoprando
Tudo se ria pra mim.

E vendo os bicho e as coisa
Com tanta sastifação
Mi ri com a cara e com a alma
Confesso, num nego não
E a nutiça da alegria
De quando in vez eu iscutava
Num baticum arrastado
Que era vê um aboiado
Do meu véio coração

Me alembrei das pescaria
Que dô! Que arrecordação!
A lua, culara, cheinha
Varava a mata todinha
E feito uma tuáia de prata
Caía em riba do rio
Briava na escuridão.

Meu fi, nesse dia eu sube
Que nóis é que nem os pau
Tem raiz grossa e cumprida
Que margúia pulo chão
Lá se interra, lá se agruda
Não há home de sustança
Que arranque elas não.

Eles vem dum pé de pranta
Que tem uma bunita fulô
Cheia de viço e de cô
Nóis chama ela de amô
E veve no coração

A n i v e r s á r i o


Um ano a mais tens hoje, caro filho
Um instante na vida – longa estrada
Dos teus olhos relembro o vivo brilho
No alvorecer de tua caminhada

Àquele tempo quando articulavas
Os vocábulos que aos poucos aprendias
E com teu riso infância os libertavas
O amor interpretava o que dizias

Homem, guardas, contudo, da criança
Algo que às vezes ao adulto cansa
Ser sincero, leal e bom amigo

Que ao longo do caminho a percorrer
A flor do bem não deixes perecer
Ao sol da vida; rega-a, dá-lhe abrigo