Poema para Carlos Drummond de Andrade
No meio do caminho tinha uma pedra.
C.D.A.
É útil redizer as coisas
as coisas que tu não viste
no caminho das coisas
no meio de teu caminho.
Fechaste os teus dois olhos
ao bouquet de palavras
que estava a arder na ponta do caminho
o caminho que esplende os teus dois olhos.
Anuviaste a linguagem de teus olhos
diante da gramática da esperança
escrita com as manchas de teus pés descalços
ao percorrer o caminho das coisas.
Fechaste os teus dois olhos
aos ombros do corpo do caminho
e apenas viste apenas uma pedra
no meio do caminho.
No caminho doloroso das coisas.A Nelson Mandela
(Descer os degraus da Humanidade. Ver o mar escuro do fenómeno
errante do atrito de armas. Sentir com as palavras presas nos lábios
o perfume da discriminação distribuído a preço derrisório em Durban,
Pretória, Soweto...Olhar na propagação de sinais sombrios o desenho
da desunião e de outras dores inspiradas que nos vigiam enquanto
os homens degrau a degrau sobem o horizonte cruel. E assim surgimos
na árvore do quotidiano, quotidiano vivo, ingrediente da nossa tragédia.)Arte poética
Que erosão
no choque genésico das marés
de encontro às pedras habitadas.
Cai areia na areia.
Assim o gasto da palavra
limando os duros conformismos
libertando as verdades mais remotas
tão necessárias ao fruir dos gestos.Memória
Baloiçando nos escombros de teu itinerário
saberás que os gados constroem estradas.
E quando a mão deslizar pela margem
das cicatrizes que se afundam na noite
saberás que a tua mão viaja para a
colina dos dias sem escombros
e saberás que no berço da noite jaz a luz
drogada e ouvida pela cruz sobre quem viajaste.As Muralhas da Noite
A mão ia para as costas da madrugada.
As mulheres estendiam as janelas da alegria
nos ouvidos onde não se apagavam as alegrias.
Entre os dentes do mar acendiam-se braços.
Os dias namoravam sob a barca do espelho.
Havia uma chuva de barcos enquanto o dia tossia.
E da chuva de barcos chegavam colchões,
camas, cadeiras, manadas de estradas perdidas
onde cantavam soldados de capacetes
por pintar no coração da meia-noite.
Eram os barcos que guardavam as muralhas
da noite que a mão ouvia nas costas
da madrugada entre os dentes do mar.