Salette Tavares

Espelho Cego


Eu leio o meu destino nos jornais.
Eu vejo os Signos do Domingo nos chifres do Carneiro
e creio
no regaço em que me leva algum planeta
a jogar no firmamento.

Osíres, ou sol da noite, ou estrela da terra
a vida é essa
que se esculpe na alma do poeta,
em ronde bosse,
em corpo inteiro...
e as mãos cegas
são só para saber mais devagar.
Minha cintura dorida
adeus supremo sem beijo
enche-me o peito de fome
geme silêncio o desejo.
Espreme-me frutas os braços
bebem-se vinho de março
grandes belos cabelos
com o vento no regaço
Alvorecer de um segredo
boca que a fruta pede
mar de ouro generoso
onde o meu barco se perde.

Aqui Estou


Aqui estou, no encontro dos caminhos
no sítio onde os olhares se dobram de terror...
Quando a minha voz disse não e a vontade e o espelho
havia acordo e sonho e flores para abrir.
Quando as minhas mãos escorriam de ternura
havia liberdade e os meus pés descalços
recortavam em sombra a única lisura.

Que lindo o que eu sonhei, que paz e que mistério
que grande força sem lágrimas no mar. . .
Agora estou dorida, morreram-me os cabelos
nos dedos que pediam caiu uma agonia,
as cordas já cortadas tornaram a me ligar.
Na noite que me seque eu quisera sorver
toda a ausência direta do possuir e do ter,
fugida na floresta escondida na giesta
morder aquela terra fecunda em que me sei.
Sem luta, a navegar, um barco branco e meu
sem timoneiro nem rota marcando-me o destino
singrando sob a lua, bebendo o sol dos dias
tão só e o grande olhar de Deus,
deitado ao pé de mim.

Assim correr, ser livre, criar e ter prazer
aquele só prazer igual ao que já sou
uma lira, um canto, uma harmonia enfim
serena, bela, doce e sem violência louca.
Idade duma rosa colhida na manhã
vibrando no calor as pétalas a abrir
surpresa vegetal da vida que se inflama
com o caule cortado e sem poder sorrir.

Quem livre me deixasse dormir na minha planta
este acordo supremo dos membros do amor,
sem traição, sem corte, e só aquele manso
sorver da terra a seiva para poder florir.
Ai, mar em que me banho e que livre me deixas
miragem do meu ritmo, partida para além
meu doce só saber braços, pernas, seios, beijos,
e toda a maravilha de ser sem mais ninguém.

Amor Silêncio


Amor silêncio amargo a roçar-me a morte
grito partido do vidro sobre o peito
ilha deserta no meio das capitais do norte
grilhetas ajustadas no rio em que me deito.

Distância cumulada remanso duma espera
ponte de aventura do dois à unidade
amor brilho raiando a chave do desejo
minuto adormecido ao pé da eternidade.

Amor tempo suspenso, ó lânguido receio,
no pranto do meu canto és a presença forte
estame estremecido dissimulado anseio
amor milagre gesto incandescente porte.

Amor olhos perdidos a riscar desenhos
em largo movimento o espaço circular
amor segundo breve, lanceta, tempo eterno
no rápido castigo da lua a gotejar.

Enigma Lua


Esqueceste
o touroe o grito
a parede brancae fria
a cabeça decepadaenfunada
vento sangueferido.

Esqueceste
a lâmpada no tetoamarelo
rio de sombracorrido
cavalo eriçadona tábua
no quarto.

Esqueceste
a cova ondeSangue e olhos
enterraste

Esqueceste e alienado nos salões
ficastecheirando orquídeasinodoras
sapatinhos de papaocos
réplicas estéticasà metralha
dos aviões.

Cansado? Inútil? Delinqüente? Vazio?
Quem te poderá julgar?

Eu só sei rasgar enigma
contra razões da terra

olhos que espanto me crava
na lua da tarde que erra.

Presença de transparência
na força que assim me arde
na lua de noite branca
me banho fantasma árvore.
Sombra na sombra lua
enigma junto à janela.

Esqueceste
mas não comigo
esqueceste a lâmpada amarelado abrigo
e as quatro paredesfrias.
Esqueceste
mas não comigo,