José Luís Ferreira (Venoi)

José Luís Ferreira (Venoi)

Poeta português, pela liberdade das palavras e dos sentires; desalinhado de costumes e crenças, de vénias e aplausos. Lisboeta, feliz.

1951-08-03 Lisboa
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Alguns Poemas

diz-se que as mulheres são mães

diz-se que as mulheres são mães
e costuram distâncias
sem máscaras

diz-se que usam da memória da luz
e dos tantos escombros
ao redor dos olhos

nos meus sonhos
ainda os lábios das mulheres incuráveis
onde vibram a desordem e a recusa

a mão de pedra
na mão
de verdade

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

acordo de noite como se as letras

fossem coágulos aborrecidos

pancadas estivais

maduras e primitivas

 

descobrirei o destino e faremos amor

manhã cedo

 

os gestos serão suficientes

um pouco a medo no fundo de si

onde as bocas se abrem

enquanto se tocam

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

existem sinais primitivos

onde escorre ainda o sangue

de quando me entregaste a cúpula do teu corpo

 

na boca ainda a luz virgem

onde a juventude

enlouquece de apressada surpresa

 

mostras canteiros ainda fechados

onde vais consumindo

o silêncio

 

ainda se ouvem os vales nocturnos

a escancarar

de gozo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

basta que sobreviva e vá abrindo e fechando portas

no estrondo dos dias

 

direi sempre este é o precipício necessário

a nudez da terra mais faminta

 

são assim as margens do abismo

desde sempre

 

por aqui se movem todas as coisas

todos os coices e todas as promessas

 

conhecerei então a noite e o interior da noite

os beijos e os dentes da noite

 

no seu grande prodígio a conhecerei

sem que o saiba

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

anseio amar-te entre o delírio

e a penumbra

do corpo

 

há uma metáfora de carne

que um dia desvendarei

 

uma voz e uma sombra de calor

que se abre a todos

os beijos

 

na liberdade do corpo

a fulgurante lentidão do orgasmo

 

por isso nos contraímos

pela chama

que a pulsar nos contempla

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

a noite já me conhece

e a sua porta abre-se à espera das coisas

dos corpos

 

inocente o silêncio da noite

 

faúlhas breves e loucas

esmagam as sementes do gozo

mais fundo

 

húmido e frio o silêncio da noite

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

serei terra e a tua voz inteira

enquanto a vida nos arda no seu olhar

mais puro

 

aprenderei o tempo de tremor e alegria

onde seremos o pressentimento

da vindima

 

a boca e a língua em qualquer noite

como se fosse a primeira

e a última

 

dá-me a tua boca

nos segredos da tua nascente

do teu recanto de paz debaixo da tua cheia

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

se a morte fosse assim

seria implacável no amor da carne

 

escrevo da loucura da pedra nos gritos mais ténues

na explosão do sémen

 

por isso escrevo da morte

e da invenção da culpa

 

e da saliva dos beijos quentes

que despertam os sentidos mais puros

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

de mim serás a fonte e veloz é o desejo

e a fome

 

leia-se a paixão

Para que robustas sejam as suas raízes

 

mexeste por dentro

do mesmo abismo onde a vertigem incendeia

e onde é escassa a fraqueza

 

enquanto mergulhamos na estranha ausência dos sentidos

de qualquer solidão

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

preciso de uma palavra que defina o teu corpo

e a forma como levitas no meu

 

as sensações conheço-as mas não as desvendo

até que sejam o trigo e o marfim e os olhos do deus

 

no teu corpo explodem primaveras em espasmos

terríveis e belos como se a fome matasse e sorrisse

 

e a tua voz me beijasse e bebesse

no meio do fogo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

quando me sobes e procuras

o quanto me assombras

nos corredores e nos gestos que inventamos

e o sussurro das palavras

que nunca dizemos

 

nasce um ramo de palavras

que te amam comigo

e respiram

libertas e ardentes do maior desejo

 

por dentro de ti os olhos são tímidos

no entanto uma aguarela

onde o vento avança acima de todas as noites

 

e são gulosos quando me abraças

lentamente na tua chama

onde me torno lança acima da rosa repentina

 

entreabres a luz no desatino dos corpos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

percorro devagar todas as sílabas

do teu corpo

e serei ferro e lume brando

até que os gritos se escutem e o dia

seja imediato

no pulsar mais dentro de ti

 

e serei chama

de tanto de ti serei deus e o diabo

o amado e o amante

o sabor a renda

apetecida e branca

desarmada nas praias do teu corpo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

naquilo que as madrugadas vivam

haverá sempre o nosso cheiro a barro religioso

que se embaraça e espreita

 

ainda acreditamos no enigma dos corpos

quando a excitação se anuncia

e nos esmaga o corpo

no corpo

 

até que eu seja a roca e o linho

o grito no grito

e se pressinta o silêncio repentino

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

continuamos virgens

neste desejo de invadir o teu mar

e na tua vontade plantar a vinha

 

os teus beijos

serão o regaço e o regadio

da minha força

 

existe uma luz profunda

dentro de ti

por dentro do teu poço

 

quando o mar se fecha e as vozes gritam

quando os corpos se agitam

quando o gozo nos desassossega

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

atrevo-me no teu corpo

como se um vento íntimo iluminasse

os mistérios da criação

 

sei que a vida cresce a cada espasmo

onde a carne e a boca

se tocam

 

nas tuas águas saberei a inocência e o atrevimento

no atónito poço que me abres

em molhado desassossego

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

namoramos ainda

devagar

e ninguém sabe dos montes

por onde cresce a vontade

 

mesmo que a água seja veloz

arderemos devagar

enquanto anoitece a virtude

da nossa paixão

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

no teu campo deposito a seiva

onde o luar cega

e os beijos causam espanto

 

deixa que anoiteça lentamente

porque grande é o lume

e o mar que nos espera

 

e depois fecha-o

para que me prenda

até que a manhã nos entrelace

 

e o sabor dos frutos

escorregue

nos muros dos corpos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

um dia que eu morra

que seja uma coisa íntima

com o teu sorriso ainda nu

de bruços no meu peito

 

que o tempo escorra

no seu ritmo

sem que perturbe a paz

de tão grande alegria

 

poderei ainda sentir

o teu último calor

e o sabor

do beijo derradeiro

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 
 
 
se eu pudesse escrever uma fábula
não falaria das trevas
nem do frio
 
nem das cidades ou de outros lugares
que se percorrem entre os dedos
e flores matinais
 
a mensagem seria a tua casa
de corpo tépido
e cheiro a alfazema
 
e por dentro de ti
um deus que acreditássemos
entre o beijo e a partilha
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

que os naufrágios de todas as virgens

satisfaçam deuses e víboras

que sejam a faísca e o orvalho

a gruta e o assombro abertos no seu tempo

 

que a sua água seja fértil

e os beijos apeteçam

e se repitam

 

que no sexo das mulheres exista vida

e frutos maduros

onde amadureçam as vontades

fundas

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

não sei como escrever do conforto do teu corpo

nem explicar o abismo de quando te inundo

e te respiro

 

diz-se o mesmo da vida

e da sua explosão

de gozo tão incógnito

 

mergulha a tua língua na minha

para que as nossas bocas sorriam

abertas de prazer

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

soubesse eu do tempo como sei do teu corpo

pudesse tocar-lhe

e trocar beijos na demora dos dias

 

acredito na memória dos dias mais jovens

 

tomara que o tempo me dê tudo de ti

o sabor a tâmaras dos teus seios

e o teu cheiro a folhagem viva

 

porque acredito nas marcas dos sonhos mais antigos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

despes a roupa até que a tua nudez

olhe o meu corpo nu

 

aprendi a amar todos os segredos

do teu corpo

onde estremeces arquejante e húmida

 

até que o sossego se abrace

na paixão dos nossos corpos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ainda seremos

a criança e o pão quente das madrugadas longas

e dos lugares só nossos

 

as virtudes do corpo

onde o desejo grita e a boca explora

 

a labareda que ama e palpita

e se fascina pela tua água

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

procuro a tua lagoa quando olho a luz

onde pulsa o desejo

e a entrega

 

quero-te mulher e que estejas nua

na invasão dos nossos lugares

tão secretos

 

rosa aberta

e negra

do nosso céu

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

toca-me até que renasça

e deslumbre o teu chão

na minha queda

no deleite do teu ninho

 

em todos os nossos recantos

onde a alegria seja funda

num beijo de saliva

abraçada

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

devagar

antes que o corpo se espante

e o mar transborde

 

tão lento

que a inércia suplique

e o corpo goze

 

até que por dentro de nós

os suspiros se fundam

e abracem

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

não é difícil entender o silêncio

de quando me olhas

em quietude

 

somos puros no desassossego do desejo

e na recusa da pressa

 

quero a tua voz

o teu grito

o teu mar intenso

 

pergunto-me se deus compreenderá a inocência

e os espasmos da paixão

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

quero esta mulher

nos seus olhos vagarosos

no meu corpo

 

a boca entreaberta

enquanto me dispo

por dentro

 

quero o seu desatino

e a luz do seu poço

na sua nascente

 

quero-a inteira

Intensa

e vaga

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

gosto do sabor dos teus beijos

e de como eles respiram

por mim adentro

 

do pulsar do teu corpo

quando lhe toco

e o transgrido

 

e de quando me afogas

e sorris

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

nunca deixei que a memória

ficasse na distância

 

sinto no colo a tua oferta

quando apareces ainda jovem

 

sei das tuas mãos

e compreendo os sinais que acenam

e as noites maiores

 

excessivas as bocas

os silêncios

e o céu de orvalho

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

haverá sempre um poema a guardar-te

enquanto recebo o silêncio inicial

do teu corpo nu

 

por dentro de ti irei crescer no pensamento dos lírios

e na tua porta irás sorrir às raízes

que se adivinham

 

seremos o prazer do outro

porque é bom amar

e sentir a sede dos corpos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

enquanto os nossos corpos se tocam

não haverá maior assombro

nem penumbra que nos trespasse

 

dentro de mim o teu silêncio ainda branco

amadurece os dons do gozo

na melhor lentidão

 

e hoje e amanhã

alegres são os campos

que sulcamos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

como explicar as palavras

nas sensações do corpo

e o seu ritmo

 

a sua lucidez

escavando os sentires da alma

e quando as línguas se tocam

 

falar como se morresse

 

o meu corpo conhece os teus lábios

e o teu sorriso

quando nos inundas

 

sou então o teu lume

enquanto és

a minha casa

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

nunca me perco por dentro de ti

enquanto me olhas profundamente

 

sorris como quem ama

a bem-aventurada força que nenhum deus

explica

 

marinhas são as nossas sombras

e a porta que me abres

desfolhando o desejo maior

 

até que me rasgue

por dentro

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

um dia se fez carne

e prazer

no mais dentro de nós

 

e foi a noite primeira

 

do verbo fizemos gozo

e da carne a cama farta

 

cresceram gotas íntimas

entre relâmpagos

e gritos apaixonados

 

deus sorriu

porque era bom

 

e descansaram os dias

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

todas as sílabas acima do fogo

 

nos olhos

o corpo que irei beijar

até que desfaleça

e deus se descubra

 

por dentro da água

encontrarei a voz do teu sentir

quase inocente

e brando

 

por cima e por dentro do fogo

 

imóveis e profundas

como mulheres húmidas

na espera

e doces entre colinas

 

será delirante pensar em tão grande fogo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ainda te sobram sombras

e musgo por abrir

onde possa perfumar

o meu corpo

do teu desejo

 

nos teus olhos

o sorriso do orvalho

quando se abrem as noites

onde se escondem a seiva

e os gestos mais subtis

 

dirás que espere

o sinal do tempo certo

e serei quente

quente

na espera e no rastilho

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

não sei se respiro a pedra

se os passos me levam a ti

enquanto te despes

 

é impossível a frieza

quando tocamos o sol

por cima das tábuas

 

apenas sentir cada cheiro

e cada sabor que me ofereces

e me inundas quase imóvel

quase deserta

 

a tua voz na minha boca

o teu corpo no meu

até que as maçãs se perdoem

de paixão

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

toca-me

até que enlouqueçam as algas

e a nossa história seja luz

e prazer

 

continua a tocar-me

até se escutarem flautas

de tentação

grande

 

apetece-te

no templo da minha espera

sem que receies o tempo e as árvores

indiscretas

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

acordamos abraçados nas manhãs

banhados na força de nos querermos

de tanto querer

os novos beijos que inventamos

 

existe um fogo de tempo inesperado

que sobrevoa vales e abismos

até que me banhes os lábios

de todo o sol do teu corpo

 

por vezes acredito que sejas um espelho

onde me arrisco a partir

de voz aberta e esgotada

por dentro de todas as nuvens

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

nunca te esquivas

nem procuras o silêncio

das coisas vazias

porque te dás nua

de todas as tradições

 

conheço as chaves que despertam

a tua ventura

e todos os lugares do teu desejo

acima do silêncio

no teu corpo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

atravessei os teus desertos

e em cada oásis encontrei os teus cabelos

mais lentos

 

a escuridão mexe-nos por dentro

e transforma em criança

cada um dos nossos pecados

 

de pétalas repentinas

abraças tudo o que me queres

e beijas os aromas mais densos dos nossos espasmos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

serás o meu deus

na força do amor que te habita e no teu vazio de tortura

 

serás a seara e serás o fruto

onde deixarei beijos e todo o desejo de mais querer

 

irei descobrir todos os caminhos

até que sucumba

 

então serás chuva inquieta

no fundo da alegria

 

e serás tua

sendo minha

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

entendo o que me oferece o teu maior silêncio

no tanto que me dás

 

um silêncio nu e cheio

um silêncio amante

 

direi da tua alegria nos olhos

em cada beijo mais lento

 

e da tua voz breve

pedindo mais

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

quero descer nos teus vales e banhar-me  

na ribeira que sustentas de tanto prazer

beijar-te nos lábios da alma

da vulva e demorar-me até que nos inundes

entre gritos e palavras ternas

na tua primavera me sustento dos melhores frutos

e o meu nome ficará gravado no teu sabor

 

não sei se é trigo ou tempestade

no teu corpo existe o verbo e a descoberta de novas paisagens

inteiramente és amante

e fortes são os ramos onde me agarro e sustento

agora sei como despertar o fogo e trazer comigo os teus olhos

para os beijar sempre que dormes

 

todos os dias serão quentes e cúmplices silenciosos

que dentro de ti irei demorar-me já submerso

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

és a árvore silenciosa onde se escondem os melhores frutos

e onde a tua mesa de sombra nos refresca enquanto a vida dormita

são breves os momentos que sorriem enquanto nos beijamos vagamente

ainda inocentes de memória até que as velas recolhidas

nos ensinem os segredos de tanta sede de amar

 

guardarei as pétalas que me abriste quando a flor de sol

prometia relâmpagos no deleite de cada toque

nos espasmos do teu corpo conheço a carne

inteiramente a reconheço no sal e no brilho intenso

 

enquanto te beijo as pálpebras num sorriso lento

para que cada instante cresça em golpes de vertigem

e queime até que a calmaria nos ensine o tempo certo

da melhor vindima

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

já não existem as rimas antigas nem o pai nosso se faz ouvir

nos corredores do céu mais próximo onde

nem sequer chove

onde nem sequer se escrevem canções bonitas

 

algo existe na disciplina dos dogmas que seja ruína

e nos sonetos que seja beleza

 

como falar sem metáforas quando os teus mamilos me acenam

e invadem sem que o desejo arda em desassossego

e sensações tão boas

ainda existem os lábios ligeiramente abertos e turvos que me perseguem

sem que me afaste e o teu segredo ainda me aguarda

ardente e húmido e árvores ardentes e fundas

para além da esperança

 

toca-me e seremos a raiz da vida renovada

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

descobrem-se os mistérios de todos os oceanos quando me debruço

sobre ti e nos abandonamos ao que houver em nós

descobrimos novos pomares que nos rasgam o silêncio

ignorando anjos e pedras e velhos traumas

o sangue dos navios antigos de quando se proibia o amor

e se acendiam as fogueiras

 

caímos no fogo impossível quando nos beijamos longamente

entre preces e terrores

então o teu corpo e o desejo terrível de o possuir

a fome e a sede do maior prazer

então o nosso corpo entregue ao outro

no consumar do pecado

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

se eu fosse deus serias amante

serias maria e paixão

e repouso no gozo da alma que na carne se exalta e excita

então serei febre e tremenda será a minha loucura

a obra e o autor inocente e louco olhando-te por dentro

nua

 

abraça-me enquanto te descubro nas erupções do corpo

tão grande a chama e a seiva

aos poucos

para que demore até às cinzas de tanto fogo

da cama o desenho do corpo nos seus declives no crepitar dos gritos

na cama que ainda pressinto e nos anima a continuar

 

deixa que eu descubra o amanhecer do teu corpo

no sabor das melhores castas

as palavras que eu disser serão espasmos num tempo incerto

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

adormeço na sombra do teu corpo enquanto sorris e o mar se acalma

o silêncio é uma rua íngreme por onde corres na exaltação dos pântanos

enquanto os girassóis vão abrindo o seu coração à luz

estás intacta no que sentes

enquanto durmo a tua voz percorre os meus véus

seja a carne fulminada ou o segredo mais ardente da minha força

 

deixa que beba de ti o vinho do melhor prazer da tua chispa

 

na minha boca ainda o eco das vozes extremas sem limites

nem vagares

das cinzas do teu vulcão que outros gritos se gritem

que outros silêncios se imponham que outras vezes se agitem

e outros ecos na tua boca se agigantem

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

na abstração dos conceitos mais correctos

vou tecendo o teu linho

e do nada se fará luz na sombra de qualquer dilúvio

o amor veste-se de todos os nus

na excitação soberba dos anjos anunciados e não haverá correria

que fuja desta paixão

 

no vinho do teu corpo me resguardo

onde explodem raios de respiração apressada

nascem flores de orvalho quando me humedeces do teu querer beijar-me

mais docemente

de branco pálido apaixonado

inundar-te-ei enquanto me agarras em novas palavras de mais querer

 

e quando se ouvir um brado não sossegues que o tempo

tempo ainda terá

porque nos damos inteiros até que o tempo se cumpra

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

escrevo o que as palavras queiram sem que procure

qualquer desespero

os espasmos são um instante onde se procuram rasgões

de vozes aturdidas

e mãos dramáticas que se agarram na emoção do gozo

escrevo porque respeito a fome e a sede e o som dos violinos

é áspero à solidão e todas as diatribes apetecem ao desassossego

que se transforma em força e dedos que martelam em golfadas diurnas de qualquer agonia

escrevo no querer a posse da palavra e na procura do gesto e da sílaba certa onde os significados se alheiem de estilismos e sejam fartas as línguas que se tocam

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

enquanto a tua boca se abrir

para que me beijes

e segredes os sonhos

que ainda me reservas dentro de ti

 

enquanto fores caindo no meu corpo

os choupais nos esconderem

e as tardes estremecerem connosco

agitarei as tuas margens

para que me sintas ardente

e extremo

 

então serás cama e serás vento

entre a voragem e a escrita

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

que nos sobrem as palavras

enquanto a respiração chamar por ti

e queimar suave no meu peito

 

grande é o desejo e é grande

e grande

 

sulco estreito onde deixarei sementes de paixão

branco é o espelho de nos querermos

e a luz que nos abraça

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

por dentro de ti

existem todos os poemas

por escrever

e neles existe o sangue

e o murmúrio materno

 

por dentro de ti

existe o fogo e o alimento

o golpe da água

que enlouquece a inocência

do corpo

 

existe o leite e o sorriso

mais puros

onde os dias sossegam

entre o grito e a memória

na vontade do abraço

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

de bruços no cérebro e no sexo

entre a boca e a razão crescem-nos raízes conscientes

 

somos a paisagem da carne

a água e a terra de todos os jardins onde namoramos

 

todas as noites o calor e a música

dos corpos colados num sentimento arrebatado

 

o poema na fogueira

entre o grito e o beijo amantes

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

não se aplaudem as flores por serem habitadas de cores

nem pelo cheiro que nos emprestam

não beijamos a música nem a palavra pelo rosto de deus

que nos mostram

 

também não te amo pelo sorriso do teu corpo nem pela voz

dos teus gemidos

mas os teus silêncios e um tipo de loucura que apetece

e guardo segredo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

abres a tua madrugada até que me embriague

de todos os brilhos

e são assim os dias todos

 

reconheço a túlipa sedenta

sempre que estremeces

e ávida é a boca onde germina

 

não sei se me olhas ou se me invades

se me rasgas ou abraças

entre o escuro e o branco iluminado

 

é tremenda a descoberta

e sereno o conforto e a posse

nos teus gritos de prazer desesperado

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

conheço o teu corpo pelos dedos e pelo cheiro

no tronco das suas metáforas

acredito que sejas trigo virgem onde escuto os sons

da terra por semear

não sei falar da tua água por dentro

e do que me animas quando me olhas no teu branco repentino

 

conheço apenas as faíscas do teu peito quando me amas

e a tua caverna quando espera o meu abraço

mais rápido

e a beleza de cada raio que se desprende

dos teus olhos

e quando dizes que por dentro de ti

palpita tudo o que sou

 

agarra a minha voz para que escutes

a conquista das palavras

que escrevo

e as sintas dentro de mim

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

no poema e na canção de embalar

tudo de mim será teu

para que sintas o desejo grande

de abrires o corpo

e a alma

 

em ti deposito o meu nome

e uma rosa negra será a chispa

do maior arrebatamento

onde todas as palavras serão puras

e livres

 

a semente e o fruto das nossas raízes

 

serei o teu campo de cultivo

e o teu cárcere

onde farás crescer o prazer e a força

para que tudo de ti

seja meu

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

conheci a mulher no que ela tem de eterno

e no demolir das crenças

mais antigas

 

no que ela tem de primavera

e porque me dá a mão

a vida inteira

 

conheci a mulher porque me incendeia

e me descerra os olhos

no desejo que alimenta das suas janelas

 

conheci-a nesta alegria

de ser alimento

e cada palavra de ternura

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

quantas vezes te falei para dentro de mim

e disse coisas que já não sei repetir

por vezes os pensamentos são íntimos

como os nossos beijos mais saborosos

 

continuo a procurar a tua uva da nova vindima

e o teu reflexo nos meus olhos

nos meus lábios o barro mais puro e o brilho interior

da caverna

 

profunda memória da tua melhor chama

 

de lá dissipo a sede e arquiteto

a rebeldia dos corpos

sem que a loucura abrande para um breve

sossego

 

ninguém compreendeu o amor

quando passeávamos abraçados à chuva

nem o espírito dos tumultos

ainda jovens

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

viverei de ti a vida inteira

a força do desejo

e mais querer

onde conheça os teus olhos

e saiba cheirar o teu musgo mais recente

 

saberei das tuas janelas

por onde me espreitas e acolhes

para que me debruce

no mais íntimo do teu ser

por dentro do teu abraço mais forte

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

onde o sol e a água se enlacem

e se beijem

na melhor colheita

não escondas a revolta

pelo que a vida dói

 

onde o suor dos corpos

seja a seiva da terra

onde nasçam frutos justos

não escondas a revolta

pelo que a vida dói

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

de sol a sol é muito sol a bater no corpo

e enxada a gretar as mãos

muito pão mergulhado na sopa e vida aflita

 

como sonho ainda mergulhar em ti

companheira do maior sofrer

e da fome que habitua

 

saberei ainda amar no que resta do corpo

e terás o meu sorriso sempre que acordes as horas

e tudo o que nos dói

 

importa a luta

e recusar dízimos

nem que se descanse ao sétimo dia

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

nunca sei da sua voz

mas quero esta mulher que inebria

nos seus lábios existem espelhos de paixão

e as melhores vírgulas ao redor do sexo

 

gosto dos seus frutos

e da rosa enegrecida onde palpitam

pingos de renda jovem

 

as suas manhãs são lentas quando desagua

no meu corpo ainda sóbrio

na espera marinheira

da melhor maré

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

intrigas quem procura conhecer-te

apressadamente

 

sem compreenderem a simplicidade

a ternura assusta-as

 

acredito na luz

e na sombra que a persegue

porque nenhuma se rejeita

nem procura dízimos e bençãos

 

maior é a paixão que sinto

e sentes

a primavera dos nossos corpos

e o seu convite

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

que os teus olhos se fixem no futuro

e nos seus dias todos

de trabalho e conquista pelo que seja

 

enquanto a lena me sorrir

acredito na vida e nas pessoas

acredito ser possível construir

a estrada e a justiça

e todos os dias

a paixão mais bonita

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

danças sem a certeza de ser dia

e sem que lamentes os sinos de ninguém escuta

 

em todos os momentos

as portas que abres

mostram o abismo e a queda

e tanto anseio

 

algumas vezes falamos na profundidade das crianças

e nos silêncios que sorriem e se escutam

 

danças sem a certeza de ser dia

no meu corpo

onde já palpitam os lugares

da minha mais ardente seiva

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

em ti deposito os meus beijos e rápidas são as tempestades

por dentro de ti

 

quero saber da morte maior e se nos estremece entre o fogo e a cegueira

saber das portas devastadoras da terra e da erva corrupta

onde respiram palavras de inequívoco segredo

e do terror do escuro silêncio das coisas acabadas

quero saber do sexo e de como me beijas

das gotas de orvalho no teu poço quando lhe toco

 

nos teus seios o equilíbrio onde procuro que ardas inicialmente

 

porque eles concedem a iniciação dos lábios e tão breves se enternecem

e detêm

serão língua antes que sejam verbo e queda suave

alimento que arde no corpo e o que o desejo queira e a paixão deseje

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Gostava tanto de escrever um poema bonito

Que falasse do primeiro orgasmo de todas as virgens

E do sabor dos beijos mais lentos

Um poema que cheirasse a sexo

De palavras húmidas e ensandecidas

Onde as tuas coxas fossem lápis e o teu poço o segredo

Das rimas dos maiores poetas

 

Ser a eternidade contigo sem imposições de sintaxe

Nem gatafunhos de vida

E ao mesmo tempo no limiar do êxtase

 

hei-de fazer de ti um poema excessivo

mais íntimo

desfalecidos os corpos brindarão cada recomeço de palavras amigas

hei-de escrever um poema degrau a degrau

de tanto e tanto querer

enquanto houver um caminho e um abismo de entrega

quando me olhas

enquanto houver um caminho e um abismo que ainda queime

enquanto a tua voz se escute em bocados de silêncio ofegante

 

o que procuram as tuas mãos quando me tocam suaves e quentes

o que fazer de nós neste desejo tamanho

e prazer desesperado

porque há sempre um tempo de espera

um tempo dramático e ansioso onde sejam tremendas  as marés

 

espera comigo por um novo sopro

onde juntos gritaremos novos louvores e ais

 

 

 

 

 

 

 

por vezes sou ilha

ou talvez uma fogueira de festa e areia

 

diz-se que as estrelas brilham

serei uma estrela quando navego no teu corpo contra a noite

ou serei a noite que te dou

 

dentro de mim passeia-se deus e o diabo e também tu

na santa trindade de todo o meu desejo

 

amo-te

talvez por isso

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

onde te ergues mulher se não te satisfaz o silêncio mais extremo

enquanto te mostras abertamente na embriaguez já próxima do corpo

 

os teus apelos ecoam dilacerados na boca que me ofereces

e rápidas são as asas que me lanças

 

nos teus olhos a cegueira do sabor mais denso

enquanto esperas o prazer do leite e da rosa por florir

até que desfrute do teu favo e do perfume

por abrir

 

não sei se és manhã mas não serás renúncia

enquanto o teu coração sorrir e o teu corpo amadurecer

 

serás o melhor vinho e a cama desfeita

a âncora onde me prendo e abraço

na mulher inteira serás a amante desabrida

e eu serei teu e tanto

 

estás nua e eu sei que és doce

sei que és lugar onde irei deitar-me

 

estás nua e és rosa

e és poço e tempo ameaçado

 

estás nua e eu sou espanto

sou nervo mas nunca impaciente

estás nua sem que o saibas e és vontade

de receber-me

 

 

 

 

 

 

 

 

afirmo que deus nasceu

na tua barriga

sem ameaças de vingança

estéril

que o amor é puro

e dá-se

sem medos

nem exigências

 

zanguem-se as igrejas

e todos os cultos

porque a paixão é entrega

sem perdão

onde apenas os beijos

ressuscitam

a carne

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

nunca me amarei sozinho

porque serás sempre a virgem  

daquele dia

que nem as pedras

nem a terra compreenderão

 

amo-te na pressa da vida

e frescas serão as margens do grande lago

 

farta é a luz e o delírio da carne

meu amor

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

de onde vem esta água

onde a fonte e o silêncio

são cúmplices

 

onde o fogo e o vento serão véus

de bocas ávidas

na sombra de cultivo

 

será o tempo do sagrado terreno

a rosa escurecida

sangrando vida

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

acredito nas letras que desenhas no leito

e na fome que elas sustentam

nos gestos marinhos

quando  desaguas

 

que a tua voz seja o sétimo dia

estupenda e quase selvagem

estendida nos meus campos

porque és o brado

de todas as mulheres nuas

 

vem e regressa

enquanto me habites

profundamente

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

reconheço nos teus lábios já húmidos

os mistérios que prometes

e atiçam a descoberta

 

há sempre palavras

de silêncio

e um golfar enlouquecido e branco

 

enquanto houver um caminho

e um abismo

que ainda queime

 

enquanto a tua voz se escute

em bocados de silêncio

ofegante

 

desfalecidos os corpos

brindarão cada recomeço

de palavras amigas

 

hei-de escrever um poema

breve

de querer-te tanto

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

seremos pastores do tempo

e a primeira letra que nos sobrevive

para que a obra terminada

seja ouro intenso

 

e livres as noites no segredo

de corpos que se tocam

em sílabas húmidas de gritos abafados

 

ou numa enxurrada convulsa

levemente exausta

 

para que saibas a nuvens virgens

e as tuas bagas

sejam doces e brandas

 

onde haja lume

que escute e nos alimente

 

são os momentos em que me basta o teu cheiro

ou que apenas te imagine a meu lado

quando espero o vinho da melhor uva

 

e a espera seja rua deserta e fresca

até que a inundes

de bagas ardentes

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

fascina-me a funda serenidade

dos vales

onde se guardam beijos

debaixo de folhas vivas e breves

 

é quando me invades

veloz e quente

na carne delicada

 

dentro de mim é o deus

e o pensamento infantil abraçado e grande

em íntimo espanto

 

os teus lábios

cheiram a terra

e são doces a luz e a mãe

de todas as vezes

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

procuro um poema que fale

da terra e do mar

que fale da lama

e do sémen

 

um poema inacabado

que sorria às mulheres

e as saiba abraçar

 

procuro um poema

que procure no sexo a cumplicidade

dos gestos

e dos sentires

 

um poema que venha lento

e que vindo lento

agrade à vida

e ao amor

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

gosto da pele que cheira a terra e a trabalho duro

de sentir o seu cheiro a vácuo

que me recordam a vida e atingem

 

gostava de construir em mim

esse rosto queimado de sol onde os olhos se fixassem

para além do riso e do tempo

 

gostava de amar como essa gente

e sentir a sua beleza

nas margens do cansaço

 

e deitar-me contigo entre lágrimas

no desejo que deus nos sentisse

e fizesse tudo de novo e tão diferente

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

quando as nossas bocas se tocam
anunciam oferendas de fogo


os beijos são assim

até que a palavra e a terra

se abracem cúmplices

 

por vezes não sei que outras palavras diga
para falar-te da terra e do arado que te remexe
de como abraçamos os nossos sulcos

e a vida fica grande


de como nos construímos leves


um dia saberei dizer do cheiro dos olhos

quando sorris e me dás a mão
e do que nos dizemos em todos os silêncios
da fome mais crua

 

gosto de amar-te em ritmos distraídos

e olhos quase ausentes

enquanto te afogas no quanto te quero

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

palavras de sobressalto dilaceradas e esplêndidas

no seu brilho mais violento

ninguém sabe se é a voz dos homens

ou uma ameaça divina

 

benditos sejam os lábios na sua loucura

que se agitam

na história dos amantes

 

são palavras dramáticas quase estéreis

se não provam o sémen

na sua brancura divina

 

fartas são as penumbras e as pálpebras arrebatadas

no espanto da vergonha e do medo

onde são o gesto amável na entrega da carne

e onde o fruto seja pecado

 

por isso as palavras são dramáticas

no que sobressaltam os deuses

e estéreis nos dias mais apaixonados

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

fulgurante é a luz das coisas do corpo

quando me esperas e desejas

o espanto

 

não sei se és ribeira

se és âncora

ainda no sossego das águas

 

quando existem paisagens nos teus gritos

há um novo mistério por descobrir

que nos cena e inebria

 

a luz entra e sai dentro de nós

e longo é o tempo final

amado e amante

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

eu quero mexer na terra

ainda seca

sujar-me nela

devagar

como quem espera

pelo gozo da mulher

 

desfazer os seus grãos

ou beijar-lhe os seios

 

os sulcos

onde as sementes irão florir

os melhores frutos

 

eu quero mexer na terra

e encontrar nela o teu sabor

virgem

maduro

envelhecido

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

o poema nasce por uma palavra

onde te instalas

ausente da pressa

do tempo

 

desconheço onde desaguas

se no íntimo do poema

ou ao seu redor

 

ou se desaguas

no seu leito

onde te alimentas

e acreditas

 

és diferente todas as manhãs

 

assim o poema

na palavra

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

espero o teu incêndio que transborde no meu corpo

e o inunde de forma arrebatada

e muito branca

enquanto te moves por dentro de nós

 

que a abertura seja lenta mas fulgurante

que transpire nas palavras dos poemas que se escrevam

e de cada vez os livros e os gestos de paixão

sejam livres e cheirem a espuma e a resina

 

nos campos

os charcos são a escultura

do nosso amor

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

sou

o que atento de mim

a forma justa de negar

e nego-me

no que acredito

renunciar

 

sou

o que seja sombra

e persiga a luz

ou seja perseguido

nunca perdoado

 

sou

quem vou sendo

não sujeito

não passivo

nem isto ou aquilo

e não entendo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

um dia estarei em casa

azul

sem dor e sem lama

de terrível alegria

no fundo dos olhos

 

uma casa cheia de vazios

dos teus vazios

de tradições e receios

e vazia

de escuridão

 

uma casa sem defesas

e sem tramas

onde andarás nua

enquanto esperas

que eu abra

a tua porta

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

conheço todos os caminhos

todas as vielas

e os pátios antigos

do meu tempo de menino

e não te conhecia

ainda

 

conheço todas as tascas

todas as putas

e as guitarras de grito

do meu tempo de destino

e não te conhecia

ainda

 

conheço todos os charros

todos os grifos

e os sons da noite

do meu tempo sem regras

e não te conhecia

ainda

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

é um atinar

que desatina

o amor

e tanto

 

é um incêndio

que mói

e espreita

que beija

e navega

 

és tu

e também sou

na boca

e na língua

e são elas

que mais navegam

por dentro de nós

 

é amor

e amor ainda

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

se estando perto

te julgo tão longe

e quero mais

de tanto que tenho

 

se nos teus olhos

não vejo limites

e no teu corpo

eu sinto desejo

 

se a tua roupa

vai desistindo

e forte te mostras

no quanto me queres

 

será chama

serão gritos

seremos amantes

e tanto

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

o sonho não morre nas marcas do corpo

nem o amor desiste de quem se dá

 

não me esperem nos cânticos sonolentos

porque o céu é castanho

e é terra

é beijo

e é agora

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

dentro de ti

um poema

e a voz do mar

 

em ti

crescem raízes

e as crianças mais belas

 

por ti

edifico sonhos

e nuvens transparentes

 

serei papel e caneta

e um poema

enquanto me agarrares

nos teus olhos

e as nossas bocas

desvendarem mistérios

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

esse desassossego

do teu olhar

quando te deitas

e no meu corpo

procuras tesouros

escondidos

 

águia

que vai pairando

até que se despenha

do céu

no sítio

a descoberto

 

saciada

ainda olhas

e talvez sorrias

no fundo de ti mesma

até depois

um pouco mais tarde

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

a noite ainda dormia quando acordei nas palavras que também sentiam

essa vontade irresistível de olhar-te até que os olhos desistissem de

tamanha alegria

por dentro de mim existem vozes que anseiam um toque e um beijo

que te percorra secretamente e que invada o rosa e o negro

por dentro de mim já cresce o desejo de um poema inteiro e alto que perturbe o corpo

um poema que seja leve e saiba acordar a chama fulgurante

da rosa quente e negra e entreaberta e gota a gota

espere o teu grito e se transforme em espanto e desejo satisfeito

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

onde te deitas

quando te deitas

no meu corpo

 

no chão

na cama

no meu corpo

dentro de mim

 

onde te deitas

quando te deitas

no meu corpo

 

no vento

no vulcão

nas ondas

dentro de mim

 

onde te deitas

quando te deitas

no meu corpo

 

tão dentro de mim

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

nem as nuvens

nem o fogo no céu

nem em nós

não fosses tu

não seria eu

 

nem o que nos molha

nem o que nos queima

nem o que nos une

não fosses tu

não seria eu

 

o que seria eu

senão fosses tu

 

de onde vem o vento

e a chuva

e o fogo

de onde vens

porque não seria eu

se não fosses tu

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

banho-me na tua sombra

no teu abismo

no teu mar

 

e por lá fico

até que a luz se cumpra

e venha sem pressa

 

deito-me no teu lago

na sua água

no que não me é secreto

 

e por lá fico

sem pressa

até que a luz se cumpra

e repita

lentamente

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

deixa que escorregue

até ao fundo de ti

onde a paixão é tão grande

 

olhas

e eu sei para onde

e para onde

me chamas

 

e deito-me

na tua cama

no teu corpo

e toda a água

é estranha

leve

e saborosa

 

enquanto escorrego

beijo-te os gritos

e na tua fome

deposito a minha boca

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

depressa

antes que a noite

nos sufoque

dá-me

o que entenderes

dar-me

 

deixa um poema

e um abraço lento

uma palavra que seja divina

Inexplicavelmente

 

não existem mistérios

nem se contam os espasmos

 

o fogo apenas espera

o seu momento de liberdade

e gritos mudos

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