Alex Zigar

Saúdo o Homem Simples


O homem que é simples
Na sua simplicidade rústica e inteligente
Que labuta contra o mato
Açoita a terra vermelha
Abre caminho
Planta, rega, colhe
Sofre de cansaço na noite
Crê na ressurreição das almas
Mas nunca viu milagres
A não ser ele mesmo e as coisas que não compreende.

O Homem que é simples
Que ama a manhã e os bichos
E faz comunhão com o sol e com o pão
Que não entende a guerra do mundo
Nem os movimentos das bandeiras e as divisões da terra
Desconhece a metafísica e a gramática
Que não odeia
Que não mata
Que de tão simples e puro
É quase improvável sua existência.
Mas existe
E eu o saúdo.

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O Tempo


O homem engole o Tempo
E o Tempo não morre na barriga do homem.
Ele aumenta e aumenta.
Incha a barriga
E devora o homem de dentro pra fora.

O Tempo é assim
Como um bicho pragento
Que come aos pouquinhos
E a gente ri, canta e vive
E só depois se dá conta que o Tempo nos devorou
Devorou a cor dos cabelos,
O brilho dos olhos,
A pele, os dentes, os ossos...

Por fim é o Tempo que engole o homem
E o homem some na enorme barriga do Tempo.


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Ausência


Tu ficaste ausente
E na tua ausência
Nada ocorreu
As coisas
Não aconteceram

Não houve o café
Ninguém sentou a mesa
Para conversar
Ninguém abriu a porta da sala
Para as visitas
Tudo ficou silencioso e mudo

Os móveis ficaram
Cobertos de pó e solidão
Os tapetes se recolheram
As flores deitaram mais cedo
E o livro aberto na escrivaninha
Ficou por ler

Não existiram passos no corredor
Nem riso nem choro
Tudo ficou ausente e suspenso
Calado e retraído

A noite não se fez
Ficou vazia e caída
As tardes não aconteceram
Foram apagadas ou riscadas
A madrugada ficou por fazer
Como teias inacabadas das aranhas


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A Revolução


Apenas esperas
A sorte
O ônibus o trem

A revolução não veio

É inútil esperar
Então cava
Planta
Colhe

O mundo fez-se vazio
Os homens vazios
Vazios são os sonhos
Todos Eles estão mortos

A revolução não veio

É inútil se enforcar
Ou invadir terras
Assaltar o mercado
Ou fazer guerras

Marte está próximo
Falam os fios e computadores
Distantes estão as mãos

A revolução não veio

As mulheres são assassinadas
Os inocentes presos
Os protestos nulos
As eleições em outubro

A revolução não veio

A felicidade está nos mercados e nas feiras
Deus e o diabo brigam por dinheiro
Nas empresas e nas igrejas

Os homens estão desertos de utopias

A revolução não veio

Cavas em atônito silêncio
E tentas enterrar a tua dor
Pois não há remédios
Pois não há salvação

A brutalidade é alucinada demente
Corriqueira assassina

Precipitas a falar com fantasmas
Pois os homens se calaram com diálogos inúteis

Eles não vivem só de pão
Mas de ódios e guerras

E não houve revolução

Admirável seria rebelar-se
Insurgir-se contra todos
Mas é inútil lutar sozinho
E cometer um crime

Então apenas esperas
O ônibus
O trem
Pois a revolução não vem


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Por Quem os Sinos Dobram


Agora os soldados são outros
Outra também é a guerra
Outro também é o tempo
Mas todos com a mesma essência
Afundar navios,
Derrubar homens,
Atirar o pão.

Há uma guerra em meu país
Tão injusta e grave
Como qualquer outra.

Agora o canhão aponta para outro lado
Outra também é a ordem do general
Outro também é o braço pendurado no arame farpado.

Há uma guerra nas ruas,
Nas escolas,
Há uma guerra dentro de nós.

Deus, estou sujo de pó e sangue
Não sei se matei ou se estão me matando.
Importa-me a morte do outro?


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Distante


Esta distância das mãos e das bocas
Provoca-nos

Manda-me para o limbo
Distancia dos desejos
E causa-me gastrite crônica

Esta distância das mãos e das bocas

Faz-me um bêbado
Sem rumo ou origem
Faz-me um fumante
Precário e doente

Esta distância
Quanto mal nos causa?

Resfriados, náuseas,
Aumento da pressão,
E loucuras momentâneas.

Oh!Realmente somos loucos
Tão loucos que continuamos com esta distância prejudicial.


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Águas de Janeiro


As chuvas que regam os campos
Enchem os rios e os ribeirões
Não sabem dos homens
Das suas construções parcas e inclinadas
Não conhece a casa dos Silvas,
Dos Oliveiras e dos Pereiras.

E o morro desce no Rio de Janeiro
A TV anuncia os caos
E o Rio é longe, longe das minhas mãos
Mas suas águas me atingem
Afogando-me.

E o morro desce
Alcança meu corpo
Traz barro e pedra
Vigas, ferros e objetos irreconhecíveis
O morro apaga tudo.
Mas o barro não enterra a dor dos moradores
E nem a vergonha dos prefeitos incapazes.

E o morro desce em Janeiro no Rio
E as águas do Rio em Janeiro descem.

E as chuvas não sabem o que levam
Nem o que trazem
Apenas despencam em gotas graves
Para encherem os Rios e os Ribeirões.


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Inconstâncias


Onde estão tuas mãos?
Nesta noite seca elas não desceram
Para acalmar-me da loucura do mundo


Abro a janela
Há tiros e inconstâncias nas ruas

Ficamos sós.
Em noites silenciosas teu corpo nu me marcou
Como o galopar de um animal selvagem

Escuta
Há tiros e inconstâncias nas ruas

Hoje não tenho tua pele na minha
Nem literatura nem poesia


Tenho carros e discussões absurdas nas ruas


Não, não nos entendemos
Ninguém se compreende no tumulto

Fiquei só.
Em noites silenciosas teus seios e tuas pernas
Adentraram sussurrando em meu corpo


Nota
O mundo não tem calma nem cama
Para silenciar-se ou gozar
É apenas tumulto
Que nos confunde e funde na incompreensão
Das mãos


Não sejamos como o mundo


Nesta noite ficamos sós. Distantes.
Ouvindo as inconstâncias das ruas
Sem silêncio nem gozo.


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