Saúdo o Homem Simples
O homem que é simples
Na sua simplicidade rústica e inteligente
Que labuta contra o mato
Açoita a terra vermelha
Abre caminho
Planta, rega, colhe
Sofre de cansaço na noite
Crê na ressurreição das almas
Mas nunca viu milagres
A não ser ele mesmo e as coisas que não compreende.
O Homem que é simples
Que ama a manhã e os bichos
E faz comunhão com o sol e com o pão
Que não entende a guerra do mundo
Nem os movimentos das bandeiras e as divisões da terra
Desconhece a metafísica e a gramática
Que não odeia
Que não mata
Que de tão simples e puro
É quase improvável sua existência.
Mas existe
E eu o saúdo.
Para saber mais: http://letradestoante.blogspot.comO Tempo
O homem engole o Tempo
E o Tempo não morre na barriga do homem.
Ele aumenta e aumenta.
Incha a barriga
E devora o homem de dentro pra fora.
O Tempo é assim
Como um bicho pragento
Que come aos pouquinhos
E a gente ri, canta e vive
E só depois se dá conta que o Tempo nos devorou
Devorou a cor dos cabelos,
O brilho dos olhos,
A pele, os dentes, os ossos...
Por fim é o Tempo que engole o homem
E o homem some na enorme barriga do Tempo.
Para saber mais: http://letradestoante.blogspot.comAusência
Tu ficaste ausente
E na tua ausência
Nada ocorreu
As coisas
Não aconteceram
Não houve o café
Ninguém sentou a mesa
Para conversar
Ninguém abriu a porta da sala
Para as visitas
Tudo ficou silencioso e mudo
Os móveis ficaram
Cobertos de pó e solidão
Os tapetes se recolheram
As flores deitaram mais cedo
E o livro aberto na escrivaninha
Ficou por ler
Não existiram passos no corredor
Nem riso nem choro
Tudo ficou ausente e suspenso
Calado e retraído
A noite não se fez
Ficou vazia e caída
As tardes não aconteceram
Foram apagadas ou riscadas
A madrugada ficou por fazer
Como teias inacabadas das aranhas
Para saber mais: http://letradestoante.blogspot.comA Revolução
Apenas esperas
A sorte
O ônibus o trem
A revolução não veio
É inútil esperar
Então cava
Planta
Colhe
O mundo fez-se vazio
Os homens vazios
Vazios são os sonhos
Todos Eles estão mortos
A revolução não veio
É inútil se enforcar
Ou invadir terras
Assaltar o mercado
Ou fazer guerras
Marte está próximo
Falam os fios e computadores
Distantes estão as mãos
A revolução não veio
As mulheres são assassinadas
Os inocentes presos
Os protestos nulos
As eleições em outubro
A revolução não veio
A felicidade está nos mercados e nas feiras
Deus e o diabo brigam por dinheiro
Nas empresas e nas igrejas
Os homens estão desertos de utopias
A revolução não veio
Cavas em atônito silêncio
E tentas enterrar a tua dor
Pois não há remédios
Pois não há salvação
A brutalidade é alucinada demente
Corriqueira assassina
Precipitas a falar com fantasmas
Pois os homens se calaram com diálogos inúteis
Eles não vivem só de pão
Mas de ódios e guerras
E não houve revolução
Admirável seria rebelar-se
Insurgir-se contra todos
Mas é inútil lutar sozinho
E cometer um crime
Então apenas esperas
O ônibus
O trem
Pois a revolução não vem
Para saber mais: http://letradestoante.blogspot.comPor Quem os Sinos Dobram
Agora os soldados são outros
Outra também é a guerra
Outro também é o tempo
Mas todos com a mesma essência
Afundar navios,
Derrubar homens,
Atirar o pão.
Há uma guerra em meu país
Tão injusta e grave
Como qualquer outra.
Agora o canhão aponta para outro lado
Outra também é a ordem do general
Outro também é o braço pendurado no arame farpado.
Há uma guerra nas ruas,
Nas escolas,
Há uma guerra dentro de nós.
Deus, estou sujo de pó e sangue
Não sei se matei ou se estão me matando.
Importa-me a morte do outro?
Para saber mais: http://letradestoante.blogspot.comDistante
Esta distância das mãos e das bocas
Provoca-nos
Manda-me para o limbo
Distancia dos desejos
E causa-me gastrite crônica
Esta distância das mãos e das bocas
Faz-me um bêbado
Sem rumo ou origem
Faz-me um fumante
Precário e doente
Esta distância
Quanto mal nos causa?
Resfriados, náuseas,
Aumento da pressão,
E loucuras momentâneas.
Oh!Realmente somos loucos
Tão loucos que continuamos com esta distância prejudicial.
Para saber mais: http://letradestoante.blogspot.comÁguas de Janeiro
As chuvas que regam os campos
Enchem os rios e os ribeirões
Não sabem dos homens
Das suas construções parcas e inclinadas
Não conhece a casa dos Silvas,
Dos Oliveiras e dos Pereiras.
E o morro desce no Rio de Janeiro
A TV anuncia os caos
E o Rio é longe, longe das minhas mãos
Mas suas águas me atingem
Afogando-me.
E o morro desce
Alcança meu corpo
Traz barro e pedra
Vigas, ferros e objetos irreconhecíveis
O morro apaga tudo.
Mas o barro não enterra a dor dos moradores
E nem a vergonha dos prefeitos incapazes.
E o morro desce em Janeiro no Rio
E as águas do Rio em Janeiro descem.
E as chuvas não sabem o que levam
Nem o que trazem
Apenas despencam em gotas graves
Para encherem os Rios e os Ribeirões.
(http://letradestoante.blogspot.com)Inconstâncias
Onde estão tuas mãos?
Nesta noite seca elas não desceram
Para acalmar-me da loucura do mundo
Abro a janela
Há tiros e inconstâncias nas ruas
Ficamos sós.
Em noites silenciosas teu corpo nu me marcou
Como o galopar de um animal selvagem
Escuta
Há tiros e inconstâncias nas ruas
Hoje não tenho tua pele na minha
Nem literatura nem poesia
Tenho carros e discussões absurdas nas ruas
Não, não nos entendemos
Ninguém se compreende no tumulto
Fiquei só.
Em noites silenciosas teus seios e tuas pernas
Adentraram sussurrando em meu corpo
Nota
O mundo não tem calma nem cama
Para silenciar-se ou gozar
É apenas tumulto
Que nos confunde e funde na incompreensão
Das mãos
Não sejamos como o mundo
Nesta noite ficamos sós. Distantes.
Ouvindo as inconstâncias das ruas
Sem silêncio nem gozo.
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