Dedicado à poetisa Célia Meira
Anda, vamos construir uma casa!
O teu corpo de algodão
é o alicerce.
Um lugar (in)comum.
Anda, vamos construir uma casa
neste chão em terra
lavrada pelos pés.
Anda, vamos construir uma casa
com ventos nos telhados
e janelas de chuva.
Anda, vamos construir uma casa
com portas de abraços.
Não há fechaduras.
Tudo se abre sem chave.
Anda, vamos construir uma casa!
Entre a cabeça e a boca
mastigo o cimento.
Quero paredes
enchidas de vozes,
ecos teus e meus.
Anda, vamos construir uma casa
sem métrica nem medida.
Que seja infinita
mas contida
nas suas raízes mais profundas.
Anda, vamos construir uma casa!
Tudo preto no branco.
Tudo branco no preto.
Na neutralidade seremos nós:
únicos.
Anda, vamos construir uma casa
decorada com os silêncios vazios
que se abrem em colcheias.
Anda, vamos construir uma casa!
Vamos aquecer-nos
no fogo dos olhos.
Anda, vamos construir uma casa!
Tenho palavras presas no cabelo.
Precisamos de algo novo
para habitar.
Abro os caminhos
ladrilhados pelos passos
que não dei.
Mantenho a verticalidade
mas permaneço na perdição.
Para onde vou, não sei.
Ultrapasso os muros
que me cercam.
Num passo em falso,
sei da robustez do chão.
Fico a seus pés.
Da terra posso ver as estrelas
e as pedras choram por mim.
Suportam o peso
e o que sou.
Fico à distância do estender de mão.
Amparo-me
na impunidade
que se mantem firme.
Não subo degraus.
Elevo-me
para ficar vertical.
Foge-me a língua
para os olhos.
Vejo a serenidade
quieta da existência.
Deixo o sorriso sofrido
enroscado nos murmúrios
das ruínas
do meu corpo
retorcido.
Não voltei a pisar
as pedras da rua
que me possuíram
e onde deixei a minha
impressão digital.
Não gosto do escuro,
por isso,
recuso fixar o olhar
na chávena do café.
O escuro queima.
Abre-se a porta dos fundos
para poderes entrar.
A noite é uma criança.
Tens de brincar.
São precisos corpos.
Vamos às escondidas
jogar?
Há sempre roupa a mais
a cobrir o céu.
O segredo é o incêndio.
Arde em silêncio.
Encontro-me dentro
do teu pensamento.
Necessito respirar
o perfume líquido das rosas
brancas
que invade os lábios.
Ainda não respirei.
Cortei-me.
Fiz o sangue jorrar.
O poema faz-se
de sangue e carne.
Alerta:
Ser poeta é um ofício
que pode colocar
a vida em risco.
Foge de mim.
Não queiras saber do que não vês.
Os espelhos estão sonolentos
e não refletem o que sou.
Não queiras saber da nudez da pele,
nem da luz da carne.
Lembra-te que quando a noite cai,
fecho os olhos dentro das pálpebras
e enterro-os debaixo do sono.
Não me perguntes
pelas nuvens de algodão
que carrego aos ombros.
Não procures explicação
para o orvalho perfumado
que trago na boca.
Não há!
Não ouças os passos
que me levam a imagens passadas.
Não te conduzem a lugar algum.
Não procures o sol que ilumina a terra
e se infiltra no interior da pele,
pois descobrirás a sombra
que me acompanha.
Foge de mim.
A inspiração é tão profunda
Que faz doer os pulmões.
Foge de mim.
É possível que aqui
percas a respiração.
Aterro na cama
e não sou um avião.
Deixo a consciência
debaixo o colchão.
O corpo olha-te
de lado,
vivo,
afogado na fantasia
diluída na pele.
Trazes a faca
para me esfaqueares.
Cortas-me a cabeça.
Não penso.
Cerra-me os lábios
Com a língua.
Leva as palavras duras
para a rua.
Atira o meu coração
pela janela.
Deixa lá o peso das estrelas.
Habita,
mortal,
o reverso do que
há em mim.
Queres voar?
Está tudo fora.
Eu envidraçada.
Não há aves no céu.
Estão presas do outro lado
da janela.
Roubei-lhes a melodia
e aprisionei-as
nos ouvidos.
Embalei-me nas notas
e compassos.
Esqueci a fome.
Fiz ponto de embraiagem.
Fugi de mim.
Não é possível suportar
a minha alma gémea.
Procurei o ponto de incisão.
Cheguei ao ponto de saturação.
Cortei os veios.
Nada fiz para reter o interior.
É o que conta.
Lubrifiquei o caminho.
O destino é o lugar
onde o medo não cabe.
(Re)nasci no desejo
das horas mortas.
Agora,
guarda para ti o que viste
aqui.
É uma loucura.
São memórias arriscadas.
Por isso,
segura-te
contra todos os riscos.
Deixa-se a pele
pendurada no cabide.
Esvazia-se o corpo.
Reza-se a missa
de corpo presente.
Enterram-se os corpos
nas valas comuns:
lençóis areados.
Ficam as memórias:
perfil sem voz
atrás do espelho.
Capturadas a cores.
Vivas no flash.
A morte ganha vida.
Reduzimos a distância
no encontro dos corpos:
desvio e embate
para o orgasmo.
No final,
deixaste o melhor de ti.
Vieste-(te).
Nada é negativo.
As pessoas morrem
e a fome continua.