Antônio Perin

O voo da morte


A Kuhira Sadako -Hiroshima
poetisa hibajusha (vítima da bomba atômica)


Rompendo o negrume do oceano
soa a marcha fúnebre dos motores
Hiroshima acorda num pacifico horizonte azul.

Das entranhas da prateada serpente alada
brota um filho da puta - o ovo negro
Após o relâmpago da loucura
o olho secou na lágrima
a boca emudeceu no grito
pessoas foram codaquiadas nas paredes.

No outro tempo em Hollywod
Robert Taylor beija Eleanor Parker
em Above and Beyond.

A Casa Morta


Em antigas noites adolescentes
entre perfumes de mangas e teias de aranhas
pelas frestas do soalho...

Luzes.

Sedas, cetins, brancas coxas
Nevoas de franceses perfumes
brilha o corpo da jovem
capricorniana.

Olhos gulosos se lambuzam
em orgias voieristas.

A memória fantasmeia o passado,
corre os quartos, porões e quintais
da velha casa da rua Alferes em cacos.

As mulheres da Rosenstrasse


A ação heróica não é inútil
Ainda que a não violência pareça fútil



Não sei de que lado está
não sei o quanto dista
do portão de Brandenburgo.
Nunca fui a Berlim.
Falam de um parque desconhecido,
de um monumento
cor de terra - Terra de Berlim?



Numa distante semana alemã
mulheres lutam por seus maridos
em uma pequena praça de Berlim
imóveis, irredutíveis, não arredam
dia a dia diante das baionetas nazistas
desafiam e calam suas metralhadoras.
Derrotada pelas mulheres desarmadas
a Gestapo recua.



Berlim! Berlim! Berlim!
Não nos deixem esquecer
as mulheres da Rosenstrasse.

Cachoeira



Ao Vicente Costa e seu amigo canibal


Lágrimas escorregam por entre seios sem mamilos
Explodem em cristais num fundo negro
Repousam silenciosas como quartzo na quadra seguinte
Pés sobre folhas e galhos secos tecem um lamento
Um falo amarelo estica-se sobre tudo com seus pelos verdes
Imponente o canibal viaja nas mensagens de sua canabis.


Distrito da Glória (Cataguases -MG) em 21.07.2002

Riacho triste


Relendo Meia Pataca de Chico Peixoto


Aflora em mim uma necessidade
de cantar a tua ausência que dói.
Escorregar pelos teus barrancos
sentindo o teu barro quente junto à pele
queimando os ossos como aguardente no peito,
me jogar em tuas barrentas e frias águas,
ser percorrido pelo frio na espinha
de percorrer-te por dentro.
Ver tua amarelada escuridão
tocar teu leito arenoso, onde abrigavas teu viço,
outrora deflorado por bateadores.


Maldito progresso que te prostituiu.
Rasgaram-te à procura de pepitas
arrancaram teus verdes cabelos,
que nas chuvas eram uma profusão de cores e contas.
Hoje fábricas ejaculam, não sêmen de vida
mas licores negros e mortíferos.
Te pintam de negro, te defecam, te matam.
Como é dolorido te olhar meia pataca.


1982