Manuel Santos

Eu sou o verbo ter


Eu sou o verbo ter dos infelizes
que procuram no meu seio a ilusão,
buscam e rebuscam os meus tempos
a escolher a companhia da razão.

Eu sou o verbo ter dos que perderam
na roleta do amor a vida inteira
e renovam em mim toda a saudade
revisitando a dor dessa maneira.

Eu sou o verbo ter da solidão
e da força que nos dá a esse tormento
nos momentos de desanimo em que sopra,
o vento da obsessão, sem um lamento.

Sou o verbo ter dos que não têm….
nada a que possam chamar seu
e numa luta intensa se consomem,
no fogo em que também o verbo ardeu.

Manuel Santos   7-4-2012

Já é madrugada


A força não é tudo o que me move,
a espalhar as cores com que te pinto.
A tela não é toda a minha insónia,
os olhos já não vêem o que sinto.

O tempo, já não corre a meu favor,
a luz vai-se apagando na memoria,
por entre cinzas, fumo e calor
o amor vai perdendo toda a gloria.

E no calor do fogo em que ardeu,
a tua imagem e a minha mão
muito se ganhou e se perdeu,

na claridade de um novo dia,
subtraindo ao amor a perfeição
que a penumbra da noite sugeria.


Manuel Santos    Abril 09







 











A forma do fim


Ganha forma a sombra do luar,
não a sombra fresca das figueiras
nas manhãs de Agosto, onde devagar
o sol troca, o louro trigo pelas eiras.

Ganha forma o desejo de vingança,
perto do fim, a crescer dentro do peito.
Penumbra de uma vida que balança
já perdida e percorrida sem proveito.

Ganha forma o ar que não respiro,
a forma da raiva que não tenho,
dos sons que do silêncio já retiro

do grito interminável que contenho.
Ganha forma a morte em sons de festa,
a correr, vermelho vivo pela testa.



A honra perdida


Já se pode ouvir no ar
o som de um lírico canto,
cheirar a cera das velas
sentir o fumo e o pranto
de toda a honra perdida.

Ver um corpo abandonado
ao sopro frio da brisa,
numa teia de momentos
perdidos logo á partida,
na fúria dos sentimentos.

A fina seda rasgada
e duas gotas de sangue
que vejo correr em fio,
da fonte suja da vida
ao leito quente e vazio.

Um corpo que se insinua
no vermelho que perdia,
entre cortinas e véus,
cores e madeiras da índia,
olhos tão negros os seus.

Um livro aberto de espanto
em frente ao altar sagrado.
Onde a pálida rosa caída
era o sinal declarado,
de toda a honra perdida.

Chuva de Verão


Do céu de Lisboa
cai a agua do teu banho matinal,
que refresca e corre as sete colinas,
até ao rio.
O sol de Lisboa
são os teus olhos fechados.
E eu, o cabelo molhado
à espera da mão.

Se tu não estás


De que me vale, o corpo trespassado acair no chão

As mãos no peito, os olhos de carvão aperder a luz.

De que me vale sentir fria a terra queme seduz

E o fio de sangue vivo a correr na mão

Se tu não estás.

De que me vale, a brisa na face, o vento

Frio das palavras, se em mim, nadasobreviveu.

Se ao cair no chão, a terra dura, é océu

Onde voo, imagino e invento

Sempre que tu não estás.

Mas tu não estás em nenhum lado.

E eu estou aqui, procuro por ti e trago,

No rosto um sorriso, sem vontade, largo

Tudo o que me desespera. Desesperado

Porque tu não estás.

m.sts (10.10.2013)

Não vejo em Lisboa


Não vejo em Lisboa o que me seduz

O céu está escondido por um véu de água

Mesmo que um milagre nos devolva a luz

O que soube a mel, sabe agora a mágoa.

Foi longo o caminho, para chegar aqui

Cheio da incerteza que a ansiedade traz

E por cada passo que dou para ti

Sinto que me foges nos passos que dás

Quebrou-se o encanto, acabou o carinho

O frio do Inverno, mudou o olhar

E eu fiquei nos dias a sonhar sozinho

A olhar a lua, de noite e a rezar.

É dessa maneira que agradeço a Deus

Todos os momentos, os meus e os teus.

Manuel Santos Jan2012

Coração de Jade


A pressa da flecha

A sair do arco

O vento a rasgar

As velas do barco

O desejo que tenho

De correr o mundo

No tempo preciso

De meio segundo

Mil milhas por hora

Ao som redutor

Das ondas na quilha

Das pás do motor

Para ver de perto

Um coração de jade

Em cada destino

Em cada cidade

Chegar e partir

Sair e voltar

O arco e a flecha

E um barco no mar…

Outro caminho


Não tenho outro caminho

Além do teu olhar azul claro, de água e mar.

Nada mais me chama. Nada me devolve

A alma reflectida no espelho cristalino das aguas

Inesperadamente paradas.

Desisti de procurar outro caminho,

Algum atalho, ou trilho perdido nas palavras.

Não descubro outra maneira

De chegar ao teu corpo e apenas os teus olhos

Me guiam a um destino sem condição.

E é tanto o medo de me perder, de te perder

Nessa luz azul de final de verão.

Ladainha


Venço sem custo nem espanto
Todo o mau momento
Toda a dor que invento
Quando insano canto

E mesmo desafinado
Redobro o sentimento
Épico de desalento
Inesperado, do fado.