Paula Regina Scoz Domingos Damázio

Amante Sepulcral


Me deu o beijo de lama meu amante da noite passada
não sofri nem chorei pelas amargas pesadas
nem meu corpo curvou ao soco e punhaladas
que recebi com amor de defunta descarada

Me alisei nos buracos que me sobraram
me senti pelo vento carregada para o chão
levantei o rosto morto pro amante
amante doce que me levou para o caixão

Empertiguei meus ossos pontudos
revirei os braços e pernas entortados
para alcançar mais um desejo afogado
e lançar um sopro podre ao primeiro alheado

Ver o meus requintes sobre pedra dura
ser alvo das chacotas de raparigas e putas!
na minha cela enterrar cantos e lamúrias
onde escondes, oh amante, tua boca muda?

Me roubaste o som me transformaste em serpente
e mais as pétalas do meu chorar de amor
não me ficou nem teu rosto nem teu beijo
para compensar a dor de morrer em teu ardor.

Louco


Vergado sob o peso do cair na correnteza
repuxando os nervos pra cobrir a pele nua
falando em pacotes de nuvem
o louco da lua cheia nascido do galho seco

A dias passados cantando borboletas na macieira
passado um sopro de alívio ao ver azul pra cima
um dia talvez ele não morra
o louco cantado por raios brilhantes

Na ermida dos passos de um homem no mato
a vaca vacila ociosa e com sono
de um leite jorrando por dentro de si
pela beleza de ter um pouco do escorregado
molhado do líquido pela espuma

Assim cruzado no mistério sem nome
o louco dos dias de final de mundo
entende o cantar da estrela rebatida sobre o couro do chão
vê a amarga e doce necessidade do leite
o louco por vida pulsando o louco marinheiro da noite de lua
de vida comida e vomitada, adubo.

Brincadeira


Tenho horror ao céu aberto
ao som de colores
horror do dia final
meu suspiro... uma gota d'água bailando

Baile

A vida surge da morte? O dia da noite
e a tarde do diabo
a vida um erro
a vida absurda

Um tempo inteiro, um tempo curto
tempo ou não tempo
tempo ou eternidade
o deus da alma, a lama do chão
um tempo todo pela frente
ou um tempo todo por trás
a ruína do meu corpo

Ter o espírito e não ter o sentimento
do tempo da terra
do só aqui e agora
do começo e do fim
um fim............ ter um fim
nunca ter existido e existir
e nunca mais, nem uma única vez
morrer e a morte ser um bem
o descanso eterno.... o eterno, nós somos eternos

Se eu cair pelo abismo de dentro
e sofrer o golpe sobre a minha cabeça?
Se eu berrar o erro o absurdo
o sonho dourado
o que será de mim?
Feito do feito do feito
eu já fui feita... e brinco
de rolar um dado que não existe

Cantar, e eu nem sei cantar
Dançar, e eu nem sei dançar
a vida, ao não tempo
ou suspenso
entre o céu e a terra
escrevo para me consolar
da dor de ser nada, ser suspiro
de uma vida maior
vida que não para de nascer
e me usa e me abandona
me devora, meus olhos meus ossoso som da minha voz

Eu nem sei mais se tenho
a força de um tigre pra matar e comer
matar um amor, retalhar
matar a amizade, fiapo
matar o desejo, fumaça
destruir o destruível
e não sorrir nem chorar
a linda força de ser um coração sem olhos
sem sombra nem consolação
ser o não a tudo,
e comer todos

Ser eu
será eu?
Foi eu... fui eu
o dia que eu morrer terá terminado
sem nem um segundo a mais
será o fim dessa loucura
sem razão sem destino
espaço sobre espaço com um ponto final
espaço sobre espaço pelos meus olhos
e destruir
e me reconstruir ou nem isso

E eu terei sido
e meu sofrimento será apagado
assim como a minha lágrima que já secou
assim como o adeus
apagado, nunca existido
até se repetir de novo sob outros olhos que não os meus
nem os teus, mas o de alguém que chegará a sofrer tudo que sofri
como se fosse a primeira vez debaixo do sol

É a brincadeira
vamos brincar?
Dizer que existimos e que a lua nunca nos viu
e dizer que descobrimos o segredo da vida:
é o que vem antes da morte
que é a eternidade sem memória,
é poder rolar e mudar e sair e voltar
é rasgar o rosto ou não sentir a dor
é assim parecer ser nada e ser o nada
o rabisco da natureza
Eu e Tu
Vamos brincar?

Ondulada


Em ser nem alegre e nem triste
transformo o pouco de meu em lava
Sofro as pulhadas de lanças em riste
abandonada nas ondas bravas

Em ser nem alegre e nem triste
brinco de ser o deus do universo
Crio anjos e demônios se não existe
cavo fundo a dor sobre versos

Em ser alegre no sol de setembro
beijo as flores do caminho escuro
Apago meus passos e não me lembro
das dores murchas do destino duro

Em ser triste nas noites ermas
clamo alto pelo canto das sereias
Corro a qualquer abismo que me queira
choro lágrimas de espanto por minhas veias

Em ser o meio do nada
sem ponta fim dimensão
Sou feito pluma alada
bailando acima de Nãos

Meu Poeta


Os sonhos loucos de minha voz louca
Voam nas asas do pássaro alado

As pétalas de sons de meus lábios
Pendidas no ar como plumas
Dedilhada nos pianos da lua...
Eu! em canção derretida
Aos beijos do poeta rendida

Despedaçada em tecnicolor translúcido
Variante metafísica do escuro!

A ti super-amante do espaço
Entrego-me em gota destilada
A sonhar alto a quimera esfumaçada;
Rasgando-me nos céus num beijo transbordante
Em murmúrios secretos de nossos amores distantes

Os desejos loucos de minha boca sedenta
Voam nas asas do pássaro alado...

Para MD

Vivo


Se tenho o encanto dos lírios roxos
e cheiro a saudosas cores outonais
é por ser feita do dia e do instante
e não ter ilusões angustiantes
a me arrastar nos pedregulhos do chão

Se ao mesmo tempo tenho um sopro azul
e aguento a dor dos sonhos mortos
é em ser flor d'água marinha
ter na beira do mar a certeza
que serei puxada prum fundo tecnicolor

Se nem sombra nem alegria profunda
e marcas de agulhas tenho em meu corpo
é que me mato de prazer pelas noites chuvosas
com o amante enlouquecido de vida
que me enche da seiva sagrada do homem

Se for assim por um risco de existência
com doces dúvidas de maracujá
sei que sou a fábula perfeita a me contar
as histórias do mundo antes do nada
a história do sim e do não

Se for assim para ter um risco de existência
brinco de vida com o dado do amor
a rolar em meu corpo e no teu
oh magnífico instante!oh meu amante!
Vivo.

Destino Amor Desamor, o amor maior


Minha doce ampulheta eterna
Como te quero como és!
De alto a baixo
No teu mais minúsculo

Minha clara manhã ensolarada
Como reluz cores lúcidas!
Investe em meus olhos
Esclarece e cura as dores

Meu querido amigo
Como se completa o meu e o teu!
Do grão de areia ao infinito céu
A canção maior de uma vida inteira!

Tu, meu tão amado Amor - Amor fati querido,
Eu...

Desalento da noite ou da morte da noite pela virgem


Minha noite escura, por que me procuras?
Quer o alento de meu calor?
Quer o profundo do meu suspirar?
A mancha do meu cobertor?

Noite fria, por que me crias?
Não vias pois minha máscara de ferro
Meus olhos em fogo devasso
A angústia do desejo aprisionado

Noite tola, por quem me toma?
Acaso a ti o palor é graça?
Oh noite! Meus lábios são taças
De transbordante anseio

Pobre tola não vejas a mim
A musa do teu passado morto
Pois sou filha do mundo torto
Carnal e carmim

Prisão de Fogo


Ah! Sol, brilha em teu rosto
Amor em sabores de luz...

Reflexo de minhas sombras amargas
Não te vejo mais, só, sob a noite,
Tumultuando a sonolência do alento
Das distensões do meu ser cruento
Que rasgou as vestes puras
Por rastro imundo e caveiras nuas.

Ah! Sol, brilha em teu rosto
Na doce tarde embalada de pássaros...

Mas o ruído perpetua em meus ouvidos
No sombrio obscuro do abismo em mim,
Brincam as pupilas do meu rosto vazio
Eu bruxa ferida pela espada branca
Perambulo solitária e ilusória
Cantando no vaso quebrado a minha glória.

Ah! Sol, cantas e minha mão não te alcança
Sou pétalas caída no lodo infértil
Sou ramo destroncado da árvore sagrada
Sou crua e sou eu e somente nada
Sou por passos no caminho apagada
Pela poeira dos ventos soprada.

Oh Sol revolve minhas cinzas!
Faça acordar do pó do exílio maldito
Em vermelho de fogo
O amor que em mim é chama fria
Que se cala em meus lábios um segundo
antes do grito,...
Pois és tu, o carrasco alado de meus dias...

Abandono


O que canta e o que me consome
Aqui estou
Abandonado novamente
Na roda dos enjeitados
O que canta e o que me consome
Por que canto
E fui consumido...

A roda roda
em mim.

Som do mar


As vezes o som do mar chega tarde
e os olhos brilham gotas de sangue
vagas aguadas ao longe
emudecem meu corpo

As vezes o som do mar chega tarde
e os vagos suspiros se perdem
ondas marinhas no cais de fogo
rasgam túmulos d'água

As vezes o som do mar chega tarde
e nem sóis de maracujá
cruzam pelos céus cinzentos
marcas dos escombros em pedaços

As vezes o som do mar chega tarde
e o coração entristecido morre
nas sombras obscuras dos sonhos
parados um frente ao espelho

As vezes o som do mar chega tarde
e os colírios ondulantes despencam
sobre cabeças vazias de dor
só ilusão sobre cores azuis

As vezes o som do mar chega tarde
e não conta mais mistérios de amor
sobrando histórias usadas e lavadas
caindo os adornos e as flores

As vezes o som do mar chega tarde
e o cão da corrente prende o ar
nos pulmões soltando bolhas
sabões alados instantes do não mais

As vezes o som do mar chega tarde
e a vida se esvai vazando óleo
preto, sofrimento, excremento
olhos de brasas cinzas

As vezes o som do mar chega tarde
e Eu despenco do abismo
dou adeus a todas as coisas
encerro os passos sobre nãos enlameados
As vezes o som do mar chega tarde ...
As vezes o som do mar chega tarde
As vezes o som do mar chega tarde

FloresBelas


"Meus êxtases, meus sonhos, meus cansaços...
São teus braços dentro dos meus braços,
Via Láctea fechando o Infinito."

Versos de Orgulho
Florbela

Lindo sonho de flores cândidas eternas
Vasos elevados em alturas aéreas
Rosas escarlates, magnólias belas
Perfeito o murmúrio do teu sabor

Enlevada em som de harmonia
Canta o obscuro da tua agonia,
Nas bordas delicada jaz a solidão...
São flores perdidas cândidas eternas
em flores que se vão.

Rosa sepultada


São como botões brilhantes os meus olhos
Ardendo sobre brasas de um coração ausente
Como a serpente envolta em dardejante enleio
A rastejar tonturas em lacrimante choro

Qual dia enfumaçado atravessado pelo meio
A me marcar promessas soturnas
Qual sabor amargo disfarçado em flor
Enganando o meu sentido dilacerado

Não tenho sombras acolchoadas em minhas costas
Sou o mundo fechado, a rosa morta pelo chão.

Corporis


Eu sou o rosto que te cruzou
Teu sonho pequeno
Eu sou o marco que não ficou
Areia ao vento

O rastro do teu destino,
A boca torta
A te perseguir pelos becos
Os fantasmas em tua cama
Sou eu em tudo ao mesmo tempo

O sustento de caveira e ossos
A luz e a escuridão
Eu sou a própria sorte
A tua própria encarnação

Sou a chama que te arde
A bailar sobre as almas do passado

Sou nada e somente nada
A dançar a valsa dos Vasos Quebrados

Falácia


Arrisco mais em ser sozinho o meu olhar
Não pertenço a vagas mortas do mar
Habituei meu corpo ao som de luas
Não entreguei mais meu coração às putas
Sou marca do impensado abismo
Por mais que eu cante não encontro siso
Agora as noites desprendem luz pelos galhos
Agora não tenho a sorte de um céu de estrelas
Só por ser aventurado anonimo vagando
Quero o disco da música sobre o mundo
Pelos recantos vagos em murmúrios vazios
Espero das ondas certeiras o aviso do fim
Não me espero em mim
Sou outro nada habitado
Cavando o buraco
Aturdindo meu coração vadio
As longas histórias do homem a me devorar
O texto, a ficção, o meu lar
Distante no tempo, vaga-lume
Sons, luz, escuro.

Cicirandando


Canta-se, ama-se! Tome
Transborde em vozes sobre os sinos e os fios da tempestade do tempo a eternidade

Canta-se, dança-se! Rode
Falseando os abismos em lascas de dor e criando os brados da formosa aventura

Canta, repete, despete-me!
-se ao cantar, ao chorar,
no meu coração

Toma meu corpo, roda o desejo do amor
Ventura, a tontura, o ardor

Cantemos,
Amemos,
hic et nunc

Pequena metamorfose


Mesmo sopro derramado
Lágrima vertida em pó
Secaram no meu rosto
Sulcaram o meu rosto,
Resta a aresta que me fica no canto
da boca
O gosto amargo do fel na boca
Viro pedra, me pedrifico
Pedra bruta
Muda
Fria
Só.

Canto


I

Na distancia do reencontro
As águas turvas cavam o chão
Do meu rosto na minha mão

As marcas do céu infinito
Sobre mim desaba inteiro
Em meus olhos rios corriqueiros

A criação do mundo belo
A visão do mar tranquilo
Fantasia do meu idílio!

Oh! Como sofre meu peito
Como das mágoas coberto pesa!
Funda e só é minha tristeza.

II

São meus sonhos ilusões perdidas?
São meus olhos fantasmas vazios?

Na solidão que existo
Chove lágrimas tristes;

Meu peito aperto
Meu dia mentira
Tristeza! Me deixe livre, me deixe rir!

III

Cantava o dia pelo bico do passarinho
Prometia alegrias para o meu destino;
Cantei sozinha minha canção verdadeira
A minha solidão de forma inteira.

Frio meu corpo geme por um carinho
Mesmo falso mesmo indigno;
De forma qualquer, de qualquer maneira
Um sol que me aqueça e me queira.

Sigo agora em meio às folhas do caminho
Canto um canto novo feito de vinho;
Triste meus dias passam na beira
Do abismo que chama pela minha caveira.

2009

Pêlo da água


Barco me leva
Me leva pra longe
Lá onde só água é que há

E o meu medo é maior
Do que o que tenho no peito
Daquilo que me faz chorar.

Flores de sonhos


São flores de sonhos
Me beije meu bem

São flores de sonhos
Você e mais ninguém

São flores de sonhos
E murcham no fim

São flores de sonhos
Não esqueça de mim

Estrela Oculta (à A hora da Estrela)


Lágrima Lacrima

Lava a minha
alma

Me purifica
de ser quem sou

Rasga
Devasta
(Explosão)

Fio que corre
Parado
Paradeiro
Paralelepípedo

O sangue
O rio
lá gri ma

sou fato falhado


sou fato falhado de uma faca afiada rasgando a pele amarela de sol
ardente candente faltando pedaços estilhaçada

sou a mera saudade estampada num peito fraco ardido roído
sonâmbulo zumbido sem flores sem sonhos

sou marca de um tempo tampado por dentro sozinho vizinho vinho
áspero amargo molhado e vazio

sou soou soprado címbalo sou soou coruja migrante
alerta almirante voo rasante raspa da crosta crua

da carne que sou
verme serpente cruel

do grande canibalismo criador

Novo


Planejo encontrar a solução da minha dor

Escrevendo em tijolos coloridos

Serão doces de chocolate por dentro

Com saborosas caldas escaldantes

Em todo o percurso de minha obra incompleta

Serei sereia do mundo submerso

Ah, uma desgraçada sereia dos tempos antigos

Cantando quiméricas desgraças...

Docemente, qual o tijolo que construo, embaladas.

A minha obra repartirá o mundo

Entre quatro paredes

Enlouquecendo a lógica euclidiana

Tão propícia ao verdadeiro

E essa obra será eterna

Na imensidão de todos os dias

Cada pequeno mundo, um revolução inteira.

Não há meio de descrever minha obra,

Não concebida, sem consequência,

Ao menos que a ela me entregue,

No sangue do meu corpo,

Todo ele corpo, às vezes tão corpo, que me dói.

Sem entender


Quando conheci a doce canção de amor,
Quase não acreditei e te disse para ir.
No dia em que beijei teus lábios macios e sinceros,
Quase chorei, disse que não merecia.
À noite, quando deitei meu corpo nu e esperei por ti,
Quase duvidei que a vida pudesse ser tão perfeita.
Quando te vejo sorrir, ainda não entendo como as estrelas
podem vivem dentro de teus olhos.