Às vezes, no rústico balcão
de velha tábua enegrecida
o tempo parava...
Às vezes, o vento passava
e o papel de embrulho acenava
convidando o cliente
a absorver o aroma
pungente de couro curtido
que se irradiava no ar...
Só a velha balança parada
com os pratos vazios
ponderava o que havia
de sabor no denso langor
de algo invisível a indicar
que a tarde se dissipava
pesarosa a chorar...
E quando vinha freguês
antonio, maria ou joão
de caderneta na mão
fiava o açúcar, a farinha,
num embrulho feito com arte
com dedos magros da mão
de um bodegueiro artesão!
Examino meus fantasmas:
Mozart, Chopin, Beethoven,
não que entendam de musica,
mas sim; dum temor melodioso.
Eles também me reparam
e diuturnamente medem
palmo a palmo meus anseios
e sobressaltos inconscientes
que correm em minhas veias
como um aluvião inesgotável.
Os fantasmas do meu armário
me encaravam todas as noites,
orquestralmente, sem receios;
e em seguida desaparecem!
Não há noites frias
Ou dias quentes em frente
As evidências de meu deserto
Nem bonança de Oasis
Ou secura estorricante
Há um suplicante grito
Por uma não existência
Por uma insignificância
Por ser coisa alguma ou
Tudo ser nesta amplidão
Absoluta e só minha
Nenhum deserto ao lado
Que errante me acompanha
Atrai-me tanto quanto
Um ofuscar um obscurecer
Por dissipação por irrisório
Volúvel e risível
No desejo de ser ninguém
Não sei o momento exato
Que me desertifiquei
Sei que minha solidão
O extravasa nesta travessia
Em que entre dias de sol
Há um luar para amenizar
Não ressuscite o amor
que um dia foi vida,
deixe-o lá: enterrado!
Quando se exuma
algo tão forte
que um dia morreu
ele reflorirá
desbotado
numa flor dorida
na magoada
relva cinzenta
do tempo passado!
Quando os heróis habitavam
meu demorado e brando peito,
sorvia a desejada felicidade
como um brinquedo qualquer.
Os Peter Pans moleques
me davam coragem.
Um dia, um súbito flash
obscureceu meu mundo
e todos os guerreiros se foram.
O robusto peito cingiu
como a um moinho.
Agora, surrado, inclino-me
ao sombrio momento
da ausência de ilusões,
sem as galhofas heróicas
que alegravam meus dias.
Discretamente vou sumindo
se o perigo vem chegando
com seu carrossel de fogo
e ninguém me socorre
deste sobressalto terrível
que se apodera de mim.