RodrigoCabral

TINHA TETO DE ZINCO


Tinha teto de zinco
Ouviu a chuva no telhado
Tamborilar, tamborilar
Engolindo os sons da casa
Tinha teto de zinco
Ouviu o trovão La longe
Fechou os olhos assustada
Aguardou o raio...
O raio... não viu
Tinha teto de zinco
Perguntou-se se La fora agora era granizo?
Poc, poc o que seria?
Tinha teto de zinco
E paredes de madeira carcomida
Morava com os cupins que viviam nela
Dois gatos rajados na sala
Mas sem gaiolas
Nenhum pássaro
Tinha teto de zinco
E um quintal longo e estreito
Nos fundos bananeiras
Nos canteiros margaridas
Nenhuma rosa
Não tinha rosa
Queria a rosa
Tinha teto de zinco
Ouvia o vento na casa
O sentia nas frestas das paredes
O vento carregava detritos
Tinha teto de zinco
E uma enorme janela antiga
Perscrutava o céu assustada
Não via a lua
Não havia lua
Só tempestade
Tinha teto de zinco
E uma vela acesa embaixo da mesa
Como a mãe lhe ensinara
A tempestade caia La fora
Tinha teto de zinco
Ouvia o dilúvio no teto
Longa noite pra ela
Longa noite.

Eu a vejo


Ontem eu a vi
Divagando com taças de vinho
Só o álcool como conselheiro
As coisas não estão tão ruins assim garota

Às vezes vejo você na roleta russa
Tentando adivinhar onde esta a bala
E quem será o próximo?
Não devia ser assim
Não precisava
Você já da sinais de cansaço
Perdida entre a conversa e a cerveja
Absorta em fumaça de maconha
E um mundo idiota
E eu a vejo voltando na madrugada
Andar trôpego a boca borrada dos beijos
Da noite
Às vezes desgastada das trepadas
E diz chorando ao espelho que esta foi
Uma noite vazia
Sem perceber que assim (vazias)
Foram todas as outras
Eu a vejo repetindo isto ate o fim da vida
Não se diverte, mas ri nervosa.
Negando que dói
Achando que passa com uísque
Eu a vejo roubando prateleiras nos supermercados
Só pelo prazer ou pela fama
Sua turma fazendo barulho dentro de um carro
Você achando que tudo e perfeito
Eu a vejo chorando no escuro do quarto
E sempre assim quando você desperta
E tudo ainda esta La
Eu a vejo nos braços de um cara
Ontem era outro
Quantos serão ate o fim da semana?
Quando e que você vai encontrar o que procura?
Será que sabe ao menos o que é?
Eu a vejo nua no Box do chuveiro
Sentindo a água cair
Levando consigo os dias passados
Eu a vejo com rasgos nos pulsos
Água tingida de escarlate levando sua vida para o ralo
Eu a vi desistir naquele dia
E chorei de tristeza
Agora caminho sozinho nas ruas
Não a vejo mais.

MACIEIRA


A macieira negou-me seus frutos!
Não será agora tempo de maçãs é isto?
Podia jurar que as vi no mercado
Rotuladas separadas e etiquetadas
Demarcadas pesadas e arrumadas
Podia jurar que as vi no mercado sim!
Mas a macieira negou-me seu fruto
Logo a mim que a reguei dia após dia sem falhas
Cuidei do solo onde ela cresce
Afastei os pássaros tão danosos
E as lagartas?
Oh macieira não me diga que esqueceu as lagartas?
Bichinhos famintos e impiedosos a devorar tuas folhas
Eu as combati...
As afastei
Cansei achei que estava tudo perdido
Você viu não viu?
Mas no fim... triunfei!
Mas a macieira... ha esta macieira...
Não me deu seus frutos
Eu a vi La fora nas intempéries
Os ventos do sul salgados de mar a fustiga-la
A neblina baixa tomada de maresia a cobrir-lhe
Eu vi a tudo e me preocupei
Cuidei para que as folhas velhas e feias não toldassem o chão onde vive
Retirei os galhos mortos
Afugentei os cães que queriam demarca-la
Bem... afugentei na maioria das vezes ao menos
Bem sabes macieira que aqui ha cães demais
E eu tenho horas de menos
Algum gato vadio em teus galhos?
Eu o enxotava
Um único ninho de canário na primavera?
Confesso eu permiti
Pássaro belo quando livre o canário
Cantou pra você e lhe mostrou o milagre de sua vida nascendo
Fui zeloso macieira...
Mas a macieira negou-me seus frutos
E agora o que fazer com tanto tempo?
Todas as horas e dias e meses que entreguei a você?
Todo o meu pensamento positivo
Todos os planos e sonhos pra tuas frutas?
Sem Eva nem serpente no meu quintal
Sem madrasta má ou branca jovem por aqui
Guilherme Tell aqui jamais esteve
Éramos só você e eu macieira
E teus frutos
E os doces vindos deles
Quem sabe talvez algumas tortas
Issacc Newton teria amado tua sombra
Pra pensar em gravidade e quaisquer outras coisas em que ele pensava
Já eu sempre quis tão pouco macieira tão pouco
Só ler um pouco abrigado sob você
Colher em minhas mãos vez por outra uma maçã
Tanto te dei
Tão pouco pedi
Esperei...
Mas a macieira me negou seus frutos!
Na próxima certamente tentarei uma laranjeira.

EU ERA O DECIMO


Eu era o décimo...
Nove antes de mim...
Todos jovens e selvagens
Todos corajosos e indóceis
Todos melhores que eu
Eu fui o décimo...
Fiz o que fiz depois dos outros nove terem feito
Senti a terra entre meus dedos...
Senti o cheiro ocre do mato...
Meus ouvidos cheios das suplicas dela...
A meu redor burburinho indecifrável
No horizonte os clarões das bombas
E os estrondos...
Nenhuma piedade na minha cena
Éramos dez...
E eu fui o décimo...
Se saciei alguma fome naquele dia não foi a da carne
Não foi a da luxuria...
Foi apenas a selvageria
Fui apenas besta...
Animal sem amor só instintos...
A moça tremeu em meus braços...
A moça gemeu em meus braços...
A moça sofreu em meu domínio...
A moça chorou certamente...
Mas eu não vi
Não pude olhar-le o rosto
Era a guerra...
Eram dias de batalha e fúria
Momentos de chama e ódio
Só amigos ou inimigos a minha volta
Só o comando de meu capitão
Só a batalha a caça o caos e morte...
A moça era inimiga...
Assim disse o capitão
Assim concordaram meus companheiros
Era inimiga não merecia cuidados
Eu assisti os outros nove...
Um a um saciarem sua fome brutal no frágil corpo dela
Pensava em minha mãe que me criou pra ser honrado
Pensava em minha irmã que devia ter a idade da moça
Tudo em mim cada fibra cada sentimento em revolta contra aquele ato
Mas os nove se sucederam
Todos foram a ela e todos voltaram
Todos sorrindo e saciados
Todos me olhando...
Esperando...
Cheio de horror e nojo eu hesitei
Pensei mil coisas
Mil palavras...
Mas fui...
Fui o décimo.

ESTA É MINHA HISTÓRIA(OU EU ESTAVA LÁ)


Eu andei no fio da lâmina

Em dias sem medo nem trégua

Bebida barata e substâncias no sangue

Eu chorei no vazio profundo da madrugada

Onde os olhos que me viam estavam mareados de pó

Eu senti a fome que só o ódio pode provocar

E eu golpei tantos rostos indistintos que a memória borrou

Nunca fiz juras nas minhas horas sombrias

Mas desferi vinganças mesquinhas

Existe alguma que não o seja?

Respirei o ar miserável do beco

Andávamos vagando

Nunca chegamos a lugar algum

Contei mentiras a ouvidos ansiosos

Estava la quando a faca cortou o antebraço

Estava la quando o golpe quebrou aqueles ossos

Ouvindo Ozzy bem louco

Consumindo o sexo sujo da ocasião

Espumando a boca hedionda e perversa

Gritando nas ruas...

Batalhei por causas inúteis

Quantos queixos quebrados e olhos vazados naqueles dias?

Quantas consequências pra colher ?

Eu carreguei calado as garrafas pro quarto quando ninguém podia ver

E ninguém via nada naqueles dias...acredite...

Quando o vandalismo era minha voz as vitrines das lojas tinham que ouvir

Estilhaços nas calçadas meu legado...

Imbecilidade fodida na cabeça meu valor

No coração só magoas...

Eu estava la quando os camburões levaram os mais afoitos de nos

E hoje sei que foi bem feito...

Eu estava la quando os esquifes esconderam do mundo os mais loucos de nós

E hoje sei que já foram tarde...

Eu estava la nos dias em que tudo era selvagem

Eu estava la nos dias em que tudo era treva

Alguns ainda estão lá...

AGORA EU ESTOU AQUI.

VOCÊ É DAMA ESTA NOITE.


Luar ...

E seu olhar febril

Ninguém pra ver...

Alguém caminha na encosta

Alguém espera na estrada

E você vai

É dama esta noite

Quer cavalgar pra onde?

Não é uma fuga e você sabe

Sem lugar algum pra ir...

Ceifando os girassóis desorientados no escuro

Olhar felino e crepuscular

Você é a dama esta noite

A corte a segue

A corte a persegue

O cavaleiro andante se perdeu

Não é um lugar de fabulas este aqui

Sapos falantes la no pântano

Não geram príncipes com beijos seus

Ogro na floresta?

Bruxa ao norte?

Nada...

Você é dama esta noite

Tenha bons modos no banquete

Tantos reinos a corteja-la

Nenhum plebeu pode ver

Caminha pelo jardim altivamente

Até Titânia tem inveja...

Ela lhe esconde do falcoeiro

Sentiu seu ciume,não sentiu?

Você é a dama esta noite

Anda pro castelo em meio as nuvens

Se existe um "Rei Sonho" ele esta la

E ele sabe que vale a pena a espera

Canta então pro céu de estrelas

Canta então pras constelações distantes

Você é a dama desta noite

É a lenda que surgiu

Chaves do reino em suas mãos

Desejo e fogo em seu seio

A arder...

Você é dama desta noite

Insaciável ...

Inconfundível

Esta noite...

Luar...

E teu olhar febril.

NENHUM FIM


Andei em ruas velhas vincadas de mistérios
Como a face desbotada de um ancião doente
Senti o frio que o vento trouxe
Era um vento de inverno assombrando nossa primavera estéril
Eu toquei os desejos secretos que pude perceber com o tempo
E cortejei o tempo de um tempo que não podia ser meu
Por que meu relógio não sussurra mais horas exatas?
Quando foi que perdi o discernimento do que era real?
E nas madrugadas torpes de mulheres sujas e bebidas baratas...
Eu me entreguei a buscas que não faziam sentido
Eu soube da noite em que o vomito secava na calçada
Eu soube do fedor podre que a boca desdentada da madrugada exalava
Eu soube de tudo...
E caminhei insensível por tristezas nauseantes
Torturado por melodias que nem BIRD poderia tocar
Ressoavam em minha mente canções que não podiam ser interpretadas
O céu escuro cobriu-se de um êxtase sem cor e dobrou-se
Eu vi o cavalo negro que trazia a fome...
Um ser sem sexo sem paixões e sem vontades
Apenas a natureza crua do que deve ser executado...
Senti a ânsia faminta de tantos ardores...
Fome de viver...
De devorar...
De gritar...
Eu vi os mitos mortos e ainda insepultos em longos e trágicos cortejos
Cobain calado e triste com gosto de heroína na cabeça
Ginsberg sem auto poesia gay e abusada
Blake sem mais palavras
Tudo é vastidão morta
Tudo é terra estéril
Tudo é sonho sem alma
Crias da morte
Morcegos de pesadelo
Eu vi tudo
E segui a margem sem flores nas aleias
Sem nem mesmo uma reles rosa ainda que negra e murcha
Eu andei conformado sabendo que esta era minha jornada
Ruas antigas vincadas de mistério
E nenhum fim.

O ESMERALDA LHE CAI TÃO BEM


Eu vi tanta chama em teus olhos que tremi

Paixão ...tenho medo!

É verão aqui em meu peito

Algo arde ...

Algo incandescente

Paixão...tenho medo!

Eu queria esquecer o teu sorriso

Eu tentei fugir do teu olhar

A cor esmeralda lhe cai tão bem...você sabe?

Não a ouvi cantar

Não é preciso...as melodias do mundo estão em tua voz

E você diz..."eu vou"e eu sei que vai

E luto pra me calar

Mas não calo

Não calo...

Digo..."vou também"

Foi você quem tocou as flores da terra?

Foi você quem contou as histórias de ninar?

São fantasias você sabe...

Talvez feitas pra você em alguma realidade de sonho

Ouvi dizer que os rios murmuram segredos em noites serenas

O que sabem eles a teu respeito?

Ouvi dizer que as florestas te acolhem em seu ventre

Verde por todo o lado em harmonia suprema

E o esmeralda lhe cai tão bem...

Paixão...tenho medo!

Eu já caminhei na chuva esquecido das coisas mundanas

A mente vazia de cotidianos mas inundada de teu ser

Ouvi ao longe a tempestade

Esperei por ela na varanda

Que ela venha...tenho você

Paixão...tenho medo!

Existem caminhos por onde as coisas podem fluir

Distâncias que a vida pode percorrer

Estendo a mão pra poder tocar seu rosto

A nuvem mais alta roça imaterial na montanha

O por do sol tinge de vermelho as arvores frondosas

Um verde vivo quase respirando

Coração disparado incontrolado

Paixão!

O esmeralda lhe cai tão bem.

OS CORTEJOS NÃO TEM FIM


Existe um bom lugar pra onde se ir?
Se existe por que você ainda não foi?
E se não foi o que esta fazendo?
O que esta esperando?
Aqui chove merda todas as noites você entendeu?
Telejornais sujos contando tragédias cotidianas
Por que existe o imbecil e o insensato
Existe o medo prestes...
O medo que não vem
Que não vai...
Que nunca foi...
Eu posso ver você acreditar nestas coisas
Coração puro você diz?
Coração puro?
Aqui onde vives os bebes não nascem são expelidos
Aqui onde vives mães devoram suas crias com maldades e mentiras
Pais molestam crianças
Padres molestam crianças
E você finge que não vê
Da likes não é isto?
Da likes consternado
Cãezinhos desamparados
Gatinhos perdidos
Da likes
Existe um bom lugar pra onde você vai?
Destilando ódio em disputas insensatas
Politica de tolos pra tolos movendo tolos
Elegem tolos também?
Aqui onde você bebe sua cerveja arrotando banalidades a fome viceja
A morte rouba carteiras
A loucura esquarteja membros
Os cortejos não tem fim...
Aqui...os cortejos não tem fim...
Vá sorrindo idiotamente
Vá bebendo siga trepando
Continue de pé
Continue morrendo
O que você sabe ?
Foi teu diploma quem contou?
Enquanto o sangue alheio manchava a calçada
Enquanto a dor alheia inundava a avenida...
Cemitérios ...
Os cortejos não tem fim.