Enquanto você passeia, eu escavo relíquias.
Enquanto você dança, eu ouço vozes distantes.
Enquanto você ri, eu grito para o nada.
Enquanto você se agita, eu descanso no solo.
Enquanto você cozinha, eu respiro o pó das horas velhas.
Enquanto você ouve Brahms, eu me retorço em pesadelos.
Enquanto tuas mãos tateiam a porta, eu silencio.
Enquanto tu sobes a escadaria, eu sorvo mais um café.
Enquanto teus olhos marejam, os meus cintilam qual vaga-lumes.
Enquanto te finges de morta, aprecio a tarde deserta.
Enquanto tratas teus casos, eu desço a rua com mil coisas na cabeça.
Enquanto tu tomas sorvete, eu vejo Chaplin mais uma vez.
Agora ouve! Ouve essa música estranha, a tocar vazia,
sem ressonâncias, num vento que vem de tão longe.
É outro tempo agora. É outro fato, outra substância.
Ficamos nós atordoados (parece), atados à errância.
Agora sente! Sente a rapidez dos bytes, nesse tráfego incessante.
A crueza que impera nas luzes foscas, nas frases tênues dos frios painéis.
Sentamos nós acomodados (percebe-se), nas antessalas da desesperança.