WillLukazi

Codinome Esperança


Para ela aquilo tudo não era loucura. Ela esperaria sim um pouco mais de chão, possibilidades, ajustes e um coração novinho em folha...mas não tinha pressa.

Ela, que viu corpos suados, desejos, lágrimas e campos de batalhas, percebia que o Amor e a Guerra usavam o mesmo cenário e o mesmos requintes de crueldade. Um amigo do peito e de infância deu a ela o livro de Sun Tzu, A Arte da Guerra. Queria que ela se tornasse uma estrategista e escapasse dos terrenos sentimentais minados. Ela já havia se explodido muito. Ele mesmo já havia visto aquela mulher ir pelos ares diversas vezes. Simplesmente não entendia como ela se recompunha tantas vezes e tão rapidamente. Talvez ela fosse uma Mutante e ele não sabia.

Por educação ela aceitou o livro. Por curiosidade ela leu algumas linhas. Por respeito e consideração ela guardou-o num lugar secreto na estante de seu quarto e nunca mais o leu.


E porque era Mulher ela não deu a mínima àquelas páginas. E porque era Mulher respirou fundo, abriu um sorriso e com olhos brilhando foi se explodir mais um pouco. Havia ainda pedaços intactos em seu corpo e alma__e aquilo de se ter pedaços ainda inteiros instintivamente a incomodava.

Além do que ela sentia que o Amor valia à pena. Além do que ela se chamava Mulher.

De Amar


E se te digo 'Te amo', tudo passa a ser simples e todas as outras coisas se tornam obrigatoriamente possíveis. O Amor de verdade não precisa absolutamente de nada por perto. Sua existência não depende de presenças ou lógicas ou motivos recentes. Sua vontade não obedece a ciclos, leis, Decretos de Reis ou conseqüências__ se ama sozinho, triste, afagando um travesseiro e ainda assim tendo no peito o maior amor do Mundo e pronto. Às vezes simplesmente se ama abraçando o próprio corpo como se ele fosse um pouco daquele corpo alheio que um dia se fez presente. Às vezes se ama espirrando pequenos jatos de perfume para cima e sentindo aquele aroma tão familiar pousando mansamente de volta às narinas lhe remetendo a um tempo antigo e único. Às vezes se ama parado olhando rumo ao vazio, é quando cai a lágrima e não se sente, 'morre-se de amor e continua vivo'__diria Quintana. Às vezes se ama sonhando, seja acordado ou dormindo, alcançando outras dimensões, motivos, praças e pizzas um dia conhecidas.

Se o que quer ouvir é isso, então eu te digo: Te amo!
E eu sorrio de mim mesmo, pois quem ama é o bobo mais feliz do Mundo...e eu sempre soube disso.

Adélia


Eu sei que ela leria um livro em qualquer lugar. Afinal ela sempre ouvia uma doce música vinda das páginas quando as abria. Um toque sublime e imaginário de piano e nostalgia...delícia. Aliás nunca se soube ao certo quem abria quem ou o quê. Às vezes se tinha a nítida impressão de que os livros é que abriam Adélia e a viravam do avesso.
A-DÉ-LIA: que linda menina perfeitamente disfarçada de mulher!!! Parecia salva de tudo quando lia uma boa estória. Sua vida seguia. Letra por letra, fonemas por fonemas. Idéias e Mundos invisíveis só aos cegos por opção ou pela tristeza do analfabetismo.

__Ei Adélia, desça dessa árvore, menina!
Não havia como descer. Adélia não descia. Ela lia um livro lá em cima. Respirava fundo quando algum trecho lhe lembrava coisas que vinham à tona de vez em quando.
__Adélia, os carros vão te atropelar! Pelo amor de Deus, Adélia!
Mas ela não tinha medo de morrer atropelada. Ela tinha medo de morrer sem poder ler um bom livro, um olhar..um conto de fadas.

Um dia num papel letras e mais letras se encarregaram de lhe dar uma notícia, a mais triste de sua vida. Um exame de saúde nada rotineiro deu positivo. E ela já sabia que aquilo era o fim de sua jornada humana. Se encheu de tristeza quando pensou nos livros que não mais leria, naqueles que estavam ainda sendo publicados e em todos os outros que já existiam.

Um trecho de um livro foi lido em seu enterro__ o Livro Sagrado. Não, não chovia forte. Aquilo não era um filme. Adélia havia mesmo ido.
Adélia nunca quis ser uma estrela no céu. Bastava a ela ser página de livro.
Por que diabos, pessoas assim morrem__se perguntavam em silêncio os mais achegados e amigos. A resposta não viria.

Gustavo, namorado de Adélia, voltou mais tarde naquele jazigo. Retirou do bolso uma página de um livro lido por ela e jogou por sobre a terra que a cobria, que cobria Adélia. Era um epílogo e tinha esses dizeres que um dia foram sublinhados por ela:

''...já fui Caminho, já fui Paisagem e hoje sou Destino''.

Gustavo chorou. Para ele não havia ninguém como Adélia no Mundo.

A Despedida


Talvez ele quisesse sair mais fortalecido com a última conversa que tivemos, talvez ele quisesse me dizer algo, talvez ele estivesse com aquele receio que antecede as premonições nunca bem-vindas__ dúvidas que carregarei comigo. O momento era caricato: tudo não passava de uma mera sombra do que havíamos sido. E embora ficamos felizes quando nos vimos, não houve aquela alegria de nossos saudosos tempos antigos, tão presente em outros reencontros. De certo, apenas que ainda éramos amigos... e muito e como e tanto!!!

A conversa foi breve, sem muito riso. Falávamos sobre coisas supérfluas, sem nos aprofundarmos em nenhum assunto específico. Depois que o instante passa, e só depois que ele passa, a gente tem essa mania de ficar analisando tudo, os detalhes mais mínimos, os gestos mais imperceptíveis e todos os miúdos. Hoje eu sei que, na verdade, estávamos era tristes, sem brilho, nos despedindo tímida e silenciosamente um do outro, mesmo que não tivéssemos plena consciência disso naquele minuto. Eu não tenho dúvida alguma quanto a isso__ estávamos, sem saber, já carregando conosco, em nosso corpo, o vírus da saudade que se seguiria.

Como sempre fazia, me acompanhou até ao portão, mas dessa vez, e só dessa vez, não me perguntou quando eu voltaria. Um abraço e um aperto de mão selou meu último encontro com meu grande amigo naquela rua chamada Rua Do Vaga-Lume.

Sessenta dias depois novamente eu o vi... apenas para me despedir__ ele havia partido para sempre. Me deixou uma estranha saudade que caminha comigo. Uma saudade que copia sua voz, veste suas mesmas roupas e ainda por cima também me chama de melhor amigo.

A Lenda da Cidade das Maos Dadas


Venho aqui contar a Lenda da Cidade das Mãos Dadas. Na Cidade das Mãos Dadas existe a mão que se cola a tua e que não se pergunta até quando, até onde, nem se diz adeus e nem mesmo até breve. Lá não existe o desespero, visto que a palavra é feia e não transmite nada além daquilo que origina o choro. Lá se permite apenas o desejo de que o afago e o abraço sejam o mais demorado possível. Lá se permite sim, que o beijo revele o que ainda as bocas distantes não sabem. Há o beijo inflamável que queima o pessimismo e a pele até o final da tarde; que se incendeia numa reação em cadeia de amor , saliva e respeito. Na Cidade das Mãos Dadas, as mãos viram asas e as nuvens viram calçadas em Domingos de alento, sombra e brandura cor escarlate. As frases são ditas murmuradas e recheadas de pausas já que certas coisas não se falam rápido e nem alto. Exigem uma vagarosidade planejada, exigem naturalidade e mínimos detalhes, exigem não se pensar em tudo e nem em nada, permitindo-se assim que o instinto torne-se o mais novo e importante convidado nesta festa de sensações em demasia. Nesta cidade cujas catedrais entoam os cantos mais bonitos eu encontrei uma mão e um mindinho__ e ambos me acolheram e disseram 'Seja bem-vindo' !

Na Cidade das Mãos Dadas não se preocupem com quem vem lá__ é quase certo de que seja sua alma gêmea__ com um mindinho à solta, flutuando pela atmosfera.