Paulo Henriques Britto

Paulo Henriques Britto

Poeta, contista, tradutor e professor

1951-12-12 Rio de Janeiro
1036
0
0


Alguns Poemas

CREPUSCULAR

1.
Chegamos tarde. (Era sempre maio,
sempre madrugada. Tudo era turvo.
Éramos em bando. Por medo. Ou tédio.

Havia um lobo à solta na cidade
aberta, e uma loucura provisória
era a nossa premissa, nossa promessa.

Era preciso estar o tempo todo
atento, em transe, em trânsito, no assédio
a um ou outro flanco do lobo,

fugindo de junho, perseguindo o agora,
correndo o risco de ser só um rascunho.
Éramos em branco. Por um triz. Por ora.)

2.
Chegamos tarde, é claro. Como todos.
Chegamos tarde, e nosso tempo é pouco,
o tempo exato de dizer: é tarde.

Todas as sílabas imagináveis
soaram. Nada ficou por cantar,
nem mesmo o não-ter-mais-o-que-cantar,

o não-poder-cantar, já tão cantado
que se estiolou no infinito banal
de espelhos frente a frente a refletir-se,

restando da palavra só o resumo
da pálida intenção, indisfarçada,
de não dizer, dizendo, coisa alguma.

3.
E assim, os delicados desesperam
do imperativo de concatenar
nomes e coisas, como se o perigo

vivesse num vestígio do sentido,
na derradeira pedra sobre pedra
de um prédio alvo de atentados tantos,

e negam mesmo a possibilidade
de não negar tudo — sem se dar conta
de que, se fosse à vera a negação

e nela houvesse fundo e coerência,
não haveria língua em que a expressar
que não a algaravia do silêncio.

4.
Dúvida, porém, não há: língua é língua,
e clavicórdio, clavicórdio é.
Assim como a canção do clavicórdio

não é a mesma música do vento,
e o vento não é pássaro ou cigarra
que canta, sem que o saiba, o verão,

palavra é mais que o babujar do vento,
que o monocórdio de cigarra ou pássaro,
mais mesmo que o mais sábio clavicórdio.

Mais mágica que música, afinal,
a inflacionar o mundo de fantasmas.
Desses fantasmas se faz o real.

5.
Toda palavra já foi dita. Isso é
sabido. E há que ser dita outra vez.
E outra. E cada vez é outra. E a mesma.

Nenhum de nós vai reinventar a roda.
E no entanto cada um a re-
inventa, para si. E roda. E canta.

Chegamos muito tarde, e não provamos
o doce absinto e ópio dos começos.
E no entanto, chegada a nossa vez,

recomeçamos. Palavras tardias,
mas com vertiginosa lucidez —
o ácido saber de nossos dias.


6.
No fim de tudo, restam as palavras.
Na solidão do corpo, no saber-se
apenas pasto para o esquecimento,

há sempre a semente de alguma ilíada
mínima, promessa de permanência
no mármore etéreo de uma sílaba,

mesmo sendo mero sopro, captado
na frágil arquitetura do papel,
alvenaria de ar. Restará

a palavra que deixarmos no fim da
nossa história. Que a julguem os outros,
que chegarão depois. Mais tarde ainda.
Professor de tradução e literatura na PUC-Rio. Publicou sete livros de poesia, dois de contos e três de ensaios.

Traduziu mais de 120 livros do inglês, incluindo obras de ficcionistas como Jonathan Swift, William Faulkner, Henry James e Thomas Pynchon, e de poetas como Byron, Wallace Stevens e Elizabeth Bishop. Ganhou diversos prêmios literários, como o Portugal Telecom, o da Associação Paulista de Críticos de Arte e o da Fundação Biblioteca Nacional.
#170/2023 - Conversa com Escritor(a) recebe Paulo Henriques Britto
Ciência & Letras - A poesia de Paulo Henriques Britto
S02E53: Entrevista com Paulo Henriques Britto - Pt. 1
"Escrevi esses poemas às vésperas dos 70 anos": Paulo Henriques Britto fala sobre "Fim de Verão"
TV PUC-Rio: Paulo Henriques Britto e a poesia contemporânea
A Tradução literária | Programa Completo
S02E73: Entrevista com Paulo Henriques Britto - Pt. 2
Formas do nada - Paulo Henriques Britto (Poesia)
Diálogos literários com Daniel Galera e Paulo Henriques Britto | Na Janela Reflexos
Leituras - Paulo Henriques Brito
O poeta e tradutor Paulo Henriques Britto fala sobre processos criativos para a TV UFMG
Millôr: obra escrita | Leitura de Paulo Henriques Britto
Paulo Henriques Britto | O que é a Poesia?
Paulo Henriques Britto - Ritmo e verso livre
Acalanto | Poema de Paulo Henriques Britto com narração de Mundo Dos Poemas
► Encontro Marcado com Paulo Henriques Britto (completo) - 31/05/2019
#Penguin10Anos: Conversa sobre Charles Dickens (com Paulo Henriques Britto e Sandra Maggio)
Papopoético 40 - Paulo Henriques Britto
Lançamento do livro “O castiçal florentino”, de Paulo Henriques Britto
Katia Maciel e Paulo Henriques Britto falam sobre o livro "Coleção de EUs"
O poeta e tradutor Paulo Henriques Britto fala sobre processos criativos | TV UFMG
Leoni e Paulo Henriques Britto | Afinando a Língua 2014
Eletrografia #11 - Paulo Henriques Britto
Matador de Passarinho - Rogerio Skylab entrevista Paulo Henriques Britto
18/08/2020 - Ciclo Bishop: Paulo Henriques Britto
Viva voz: Festival de poesia - Paulo Henriques Britto conversa com Edimilson de Almeida Pereira
100 Anos Vinicius | Mesa com Antonio Cicero e Paulo Henriques Britto
Entrevistas - Paulo Henriques Britto
ACALANTO - PAULO HENRIQUES BRITTO (macau) (soneto) (audiobook)
Paulo Henriques Britto sobre Claudia Roquette-Pinto
Apresentação: Paulo Henriques Britto, no Conversa
5º Ciclo de conferências | Os poetas pelos poetas: A poesia sintética de Emily Dickinson
[Poema] Pour Elise - Paulo Henriques Britto
17/08/2020 - Ciclo Bishop: Paulo Henriques Britto
Paulo Henriques Britto no Canal Curta! sobre "A canção brasileira"
Sarau do Museu – Paulo Henriques Britto, 70 anos
Ciência & Letras - A tradução Literária
Balancete - Paulo Henriques Britto | Poesia
"Traduzir um poema às vezes é quase como escrever do zero", opina Paulo Henrique Britto
10/08/2020 – Ciclo Bishop: Lloyd Schwartz conversa com Paulo Henriques Britto (leg)
Poema da Semana: Paulo Henriques Britto (#2)
Poema 'Uma lenda' | Paulo Henriques Britto
Paulo Henriques Britto - Da metafísica #Poema
Patrícia Lavelle sobre Paulo Henriques Britto
A escrita poética de Paulo Henriques Britto
É AQUI MESMO! - Antônio Humberto & Paulo Henriques Britto
Acalanto - Paulo Henriques Britto
#ClariceRecita - Paulo Henriques Britto
Paulo Henriques Britto - Spleen 2½ [Poema]
"Nenhum mistério" de Paulo Henriques Britto

Quem Gosta

Seguidores