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CANTO A LEOPARDI Ah, mas da voz exânime pranteia O coração aflito respondendo: «Se é falsa a ideia, quem me deu a ideia? Se não há nem bondade nem justiça Porque é que anseia o coração na liça Os seus inúteis mitos defendendo? Se é falso crer num deus ou num destino Que saiba o que é o coração humano, Porque há o humano coração e o tino Que tem do bem e o mal? Ah, se é insano Querer justiça, porque na justiça Querer o bem, para que o bem querer? Que maldade, (...) que injustiça Nos fez pra crer, se não devemos crer? Se o dúbio e incerto mundo, Se a vida transitória Têm noutra parte o íntimo e profundo Sentido, e o quadro último da história, Porque há um mundo transitório e incerto Onde ando por incerteza e transição, Hoje um mal, uma dor, (...), aberto Um só dorido coração?» (...) Assim, na noite abstracta da Razão, Inutilmente, majestosamente, Dialoga consigo o coração, Fala alto a si mesma a mente; E não há paz nem conclusão, Tudo é como se fora inexistente. 1934
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Fernando Pessoa
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