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ACTO II Tudo transcende tudo; Intimamente longe de si mesmo E infinitamente, o universo A si mesmo, existindo, se ilude. Não é medo que faça estremecer Nem olhar trás de si, nem recear Inda que vagamente incoerentemente... Não tão humano horror: Este é o horror Do mistério, do incompreendido. Ah, mas o estremecer do pensamento É horroroso além de todo o horror. Já estão em mim exaustas, Deixando-me transido de horror, Todas as formas de pensar (...) O enigma do universo. Já cheguei A conceber como requinte extremo Da exausta inteligência que esse Deus, Que ensinam as igrejas com aqueles Seus atributos – (...) (...) – existir realmente Realmente existir e que houvesse Mas fosse sonho, e não sonho nosso... Sim cheguei a aceitar como verdade O que nos dão por ela, e a admitir Uma realidade não real Mas sim sonhada como esse Deus cristão. Mas isto, cuja ideia formidável Cheia de horríveis possibilidades Negra e profunda me (...) A mente, abandonei, não sem tremer, No caos do meu ser, onde jazem Juntamente com ela espectros negros De soluções passageiras, apavoradoras, Momentâneas, momentâneos Sistemas horrorosos, pavorosos, Repletos de infinito. Formidáveis Não só por isto mas também por serem Falhados pensamentos e sistemas Que por falharem só mais negro fazem O poder horroroso que os transcende A todos, infinitamente a todos. Oh, horror! Oh, mistério! Oh, existência! Para que lado não me virarei Onde abrirei os olhos – olhos d'alma – Que o mistério não me atormente, e eu Não avance tremendo para ele? E... Para que falar? O que dizer? Tudo é horror e o horror é tudo! Às vezes passam Em mim relâmpagos do pensamento Intuitivo e aprofundador Que angustiadamente me revelam Momentos dum mistério que apavora; Duvidosos, deslembrados, confrangem-me De terror que entontece o pensamento E vagamente passa, e o meu ser volve À escuridão e ao menor horror. No sangue frio que nas veias minhas Gira, no ar que sorvo, luz que vejo, Circula, entra, nada-me uma dor; E eu talvez à ternura outrora afeito (Se o pensamento me não dominasse), Sinto – como não sei – a alma mirrada E pálida no ser. Não é apenas, (...), o pensamento Que assim me traz; é o pensamento fundo, A consciência funda e absoluta De todos os problemas minuciosos Do mundo, trans-sentidos no meu ser. Caminhamos sobre abismos Ai de quem o sente. A noite, uma noite funda Cerca-nos, ai de quem conhece Como ela é funda, como é inescrutável. Pulsam-me as veias Alucinadamente e um terror novo Obtém-me, o terror de mim mesmo. Cidades, com seus comércios (...) Tudo é mesmamente estranho, gmesmamente Descomunal ao pensamento fundo Estranhamente incompreendido. Tudo é mistério, tudo é transcendente Na sua complexidade enorme, Um raciocínio visionado e exterior, Uma ordeira misteriosidade, Silêncio interior cheio de som . Do horror do mistério são talvez Símbolos grosseiros esses horrendos Górgona e Demógorgon fabulosos, Fatais um pelo aspecto outro no nome. Neles se vê a ávida ansiedade De dar em concepção que torturasse De terror, isso que de vago e estranho, Atravessando como um arrepio Do pensamento a solidão, integra Em luz parcial (...) a negra lucidez Do mistério supremo. É conhecer, O erguer desses ídolos de horror, A existência daquilo que, pensado A fundo, redemoinha o pensamento Por loucos vãos, declives de loucura Despenhadeiros de aflição, confusos Torturamentos, e o que mais d'angústia E pavor não se exprime sem que falhe Na própria concepção o conceber. É o horror dos horrores esse horror De haver d'alma um estado, aquele estado Em que o mistério lhe penetra o abismo, E não haver palavras ou ideias Que atinjam esse estado ou comuniquem D'ideias a ideias o que passa De vago e horroroso. Do mistério O pavor é duplo – é o horror em si O horror que sentimos ao senti-lo. Este que torna alegre e descuidosa A loucura, ao seu lado, que ligeiro Faz parecer tudo que de pavor Confrange, ou (...), enlouquece, Esta vacuidade angustiosa Do pensamento prenhe – quando tento Lembrar-me que a uma Coisa, Ser real Corresponde – só essa ideia possível Me gela a consciência de existir E me entupe de pavor o fundo Sentimento do mundo e de mim mesmo.
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Fernando Pessoa
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