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ACTO III Não sei de que maneira a sucessão Dos dias tem achado este meu ser Que a si mesmo se tem ignorado. Não sei que tempo vago atravessei Nos breves dias de febril ausência De parte do meu ser. Agora Não sei o que há em mim que sobrenada A ignorada coisa que perdi. Cansado já doutra maneira vaga, Sinto-me diferentemente o mesmo; Não sei detidamente o que mudou Em mim, nem sei o que de mim me resta A não ser esta vaga e horrorosa Sufocação da existência inerte Num pavor. Mas a mesma já não é. Sinto pavor, mas já não é o mesmo Pavor, nem é a mesma solidão D'outrora, a solidão em que me sinto. Queimei livros, papéis, Destruí tudo por ficar bem só, Por quê não sei, não sabê-lo desejo. Resta-me apenas um desejo ermo De amar e de sentir, mas não me sinto Educado no ser ou natural Ao sentimento, à emoção, à vida, Mas alheado (...) e negramente E orgulhoso mais por ser distante Do que distante por ser orgulhoso. Pesado fardo da grandeza! Horror! Não a reis ou a príncipes lhes pesa E o responsável ânimo (...) Como a mim o existir. Pesa-me mais Do que dantes, mas – como o sei? Menos misteriosamente, menos Intimamente. Estou mais apagado E a minha antiga dor imorredoura Mais escondida dentro em mim de mim E eu menos, não sei como, isolado Só de mim mesmo, perdido (...) Neste atordoamento nasce em mim Qualquer coisa de negro e estranho e novo Que pressinto com medo, e que, outrora, Arredado de mim dentro em minha alma, Eu pressentia sem o pressentir, Sem consciência consciente dela. Como a linha de negro num poente Se ergue em negra nuvem e enegrece E cresce levantando-se e obumbrando O firmamento, sinto despontar Prenúncios de tormento e confusão Num silêncio que insiste dentro em mim. Há entre mim e o real um véu À própria concepção impenetrável. Não me concebo amando, combatendo, Vivendo como os outros. Há em mim, íntima, Uma impossibilidade de existir De que abortei, vivendo. Tudo transcende tudo E é mais real e menor do que é. Sinto-me perturbado E a consciência da perturbação Mais me perturba. Não sei que desejar Nem que desejável ser em mim. Todo o modo de ser além da morte Me apavora e confrange. Montanhas, solidões, objectos todos, Ainda que assim eu tenha de morrer, Revelai-me a vossa alma, isso que faz Que se me gele a mente ao perceber Que realmente existis e em verdade, Que sois facto, existência, coisas, ser. Quantos o sentem, quantos, ao ouvir-me «Estou aqui» compreenderão Íntima e inteiramente, ouvindo n'alma A alma da minha voz? A expressão Fez-se para o vulgar, para o banal. A poesia torce-a e dilacera-a; Mas isto que eu em vão impor-lhe quero Transcende-lhe o poder e a sugestão. Metáfora nem símbolo o exprime; Desespero ao ouvir-me assim dizer Isso que n'alma tenho. Sinto-o, sinto-o E só falando não me compreendo. No mais simples dos factos é que existe O horror maior nisto: que há existência. Sentir isto, eis o horror que não tem nome! Mas senti-lo a sentir, intimamente, Não com anseios ou suspiros d'alma, Mas com pavor supremo, com gelado Inerte horror de desesperação. De vez em quando surge-me nos lábios Uma canção de amor e, instintivo, Nela choro uma amada morta. Sim. É a noiva eterna morta de um eu Que não soube amar. Ah, que feliz Seria se eu pudesse aniquilar O pensamento, a comoção – o que eu Mais odeio e mais prezo – e m'envolver Numa vida vazia e trabalhosa, Com amores, ternura! Beberia A alegria do regato de existir Sem perguntar onde era a sua origem Nem onde tinha fim. Felicidade Fez-se para quem a não pode sentir. Completo e apreensível horror Do mistério que eis volta ao pensamento! Hoje se morre alguém que estimo – se eu Estou ainda algo em mim absorto No que é mais do que eu – se morre alguém Que amo – admitamo-lo – já não choro, Não sinto dor: gela-me apenas, muda, A presença da morte que triplica O sentimento do mistério em mim.
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Fernando Pessoa
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