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Noite dos limites e das esquinas nos ombros noite por demais aguentada com filosofia a mais que faz o boi da paciência aqui? que fazemos nós aqui? este espectáculo que não vem anunciado todos os dias cumprido com as leis do diabo todos os dias metido pelos olhos adentro numa evidência que nos cega até quando? Era tempo de começar a fazer qualquer coisa os meus nervos estão presos na encruzilhada e o meu corpo não é mais que uma cela ambulante e a minha vida não é mais que um teorema por demais sabido! Na pobreza do meu caderno como inscrever este céu que suspeito como amortecer um pouco a vertigem desta órbita e todo o entusiasmo destas mãos de universo cuja carícia é um deslizar de estrelas? Há uma casa que me espera para uma festa de irmãos há toda esta noite a negar que me esperam e estes rostos de insónia e o martelar opaco num muro de papel e o arranhar persistente duma pena implacável e a surpresa subornada pela rotina e o muro destrutível destruindo as nossas vidas e o marcar passo à frente deste muro e a força que fazemos no silêncio para derrubar o muro até quando? até quando? Teoricamente livre para navegar entre estrelas minha vida tem limites assassinos Supliquei aos meus companheiros: Mas fuzilem-me! Inventei um deus só para que me matasse Muralhei-me de amor e o amor desabrigou-me Escrevi cartas a minha mãe desesperadas colori mitos e distribuí-me em segredo e ao fim e ao cabo recomeçar Mas estou cansado de recomeçar! Quereria gritar: Dêem-me árvores para um novo recomeço! Aproximem-me a natureza até que a cheire! Desertem-me este quarto onde me perco! Deixem-me livre por um momento em qualquer parte para uma meditação mais natural e fecunda que me limpe o sangue! Recomeçar! Mas originalmente com uma nova respiração que me limpe o sangue deste polvo de detritos que eu sinta os pulmões como duas velas pandas e que eu diga em nome dos mortos e dos vivos em nome do sofrimento e da felicidade em nome dos animais e dos utensílios criadores em nome de todas as vidas sacrificadas em nome dos sonhos em nome das colheitas em nome das raízes em nome dos países em nome das crianças em nome da paz que a vida vale a pena que ela é a nossa medida que a vida é uma vitória que se constrói todos os dias que o reino da bondade dos olhos dos poetas vai começar na terra sobre o horror e a miséria que o nosso coração se deve engrandecer por ser tamanho de todas as esperanças e tão claro como os olhos das crianças e tão pequenino que uma delas possa brincar com ele Mas o homenzinho diário recomeça no seu giro de desencontros A fadiga substituiu-lhe o coração As cores da inércia giram-lhe nos olhos Um quarto de aluguer Como preservar este amor ostentando-o na sombra? Somos colegas forçados Os mais simples são os melhores nos seus limites conservam a humanidade Mas este sedento lúcido e implacável familiar do absurdo que o envolve com uma vida de relógio a funcionar e um mapa da terra com rios verdadeiros correndo-lhe na cabeça como poderá suportar viver na contenção total na recusa permanente a este absurdo vivo? Ó boi da paciência, que fazes tu aqui? Quis tornar-te amável ser teu familiar fabriquei projectos com teus cornos lambi o teu focinho acariciei-te em vão A tua marcha lenta enerva-me e satura-me As constelações são mais rápidas nos céus a terra gira com um ritmo mais verde que o teu passo Lá fora os homens caminham realmente Há tanta coisa que eu ignoro e é tão irremediável este tempo perdido Ó boi da paciência sê meu amigo!
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António Ramos Rosa
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