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Semitis desilientis aquae No ar frio da noite calma Bóia à vontade a minh'alma, Quase sem querer viver Sente os momentos correr, Como uma folha no rio, Sente contra si o frio Das horas fluidas levando Seu inerte corpo brando. Mais do que isto? Para quê? Tudo quanto o olhar vê A mão toca, o ouvido escuta, A consciência perscruta, É inútil que se escutasse, Que se visse ou se pensasse. Entre as margens com arbustos Luze, na noite dos sustos, Só o luar repousado, Ao correr vago e amparado Do rio deixado em livre A alma passa, a alma vive. Ninguém. Só eu e o segredo Do luar e do arvoredo Que das margens causa medo. Nada. Só a hora inútil Só o sacrifício fútil De desejar sem querer E sem razão esquecer. Prolixa memória, toda. Rio indo como uma roda, Noite como um lago mudo, E a incerteza de tudo. Recosto-me, e a hora dorme. Corre-me o que a noite enorme Atribui à minha mágoa, Como um ser múrmuro de água. Ninguém; a noite e o luar. Nada; nem saber pensar. Raie o dia, ou morra eu Volte no oriente do céu O sol ou não volte mais, Só sempre os tédios iguais E as horas, calem o medo, Como o rio entre o arvoredo, De nocturna consistência, Com fluida, vaga insistência. O mal é haver consciência. 08/10/1919
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Fernando Pessoa
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