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PASSAGEM DAS HORAS Vivo todos os dias todas as esquinas de todas as ruas, E sempre que estou pensando numa coisa, estou pensando noutra. Não me subordino senão por atavismo, E há sempre razões para emigrar para quem não está de cama. Das terrasses de todos os cafés de todas as cidades Acessíveis à imaginação Reparo para a vida que passa, sigo-a sem me mexer, Pertenço-lhe sem tirar um gesto da algibeira, Nem tomar nota do que vi para depois fingir que o vi. No automóvel amarelo a mulher definitiva de alguém passa, Vou ao lado dela sem ela saber. No trottoir imediato eles encontram-se por um acaso combinado, Mas antes do encontro deles lá estar já eu estava com eles lá. Não há maneira de se esquivarem a encontrar-me, não há modo de eu não estar em toda a parte. O meu privilégio é tudo (Brevetée, Sans Garantie de Dieu, a minh'Alma). Assisto a tudo e definitivamente. Não há jóia para mulher que não seja comprada por mim e para mim, Não há intenção de estar esperando que não seja minha de qualquer maneira Não há resultado de conversa que não seja meu por acaso Não há toque de sino em Lisboa há trinta anos, noite de S. Carlos há cinquenta Que não seja para mim por uma galanteria deposta. Fui educado pela Imaginação, Viajei pela mão dela sempre, Amei, odiei, falei, pensei sempre por isso, E todos os dias têm essa janela por diante, E todas as horas parecem minhas dessa maneira.
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Fernando Pessoa
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