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Lentidão dos vapores pelo mar... Tanto que ver, tanto que abarcar. No eterno presente da pupila Ilhas ao longe, costas a despontar Na imensidão oceânica e tranquila. Mais depressa... Sigamos... Hoje é o real... O momento embriaga... A alma esquece Que existe no mover-se... Cais, carnal... Para os botes no cais quem é que desce? Que importa? Vamos! Tudo é tão real! Quantas vidas que ignoro que me ignoram! Passo por casas, fumo em chaminés Interiores que adivinho! Choram Em mim desejos lívidos resvés Do tédio de ser isto aqui, e ali Outro não-eu... Sigamos... Outras terras! Quantas paisagens vivi! Planícies! mares! serras Ao longe! Pareceis com tanta curva, Pinheirais! Igualdade das culturas! Dias monótonos de chuva... Noites de lua nova — canto de ruelas escuras Antros... Dias de sol — de agasalho De que o olhar abrasa e amodorrado Mal tem espaço para desejar... Campos cheios de vultos em trabalho À sombra de um carvalho ali isolado — Ah e eu passo! — um mendigo a descansar. O longe! O além! O outro! A rota! Ir! Ir absolutamente! ir entregadamente Ir sem mais consciência de sentir Que tem um suicida na corrente Que passa a dor da morte na água a rir. Sonho-desolação! Ó meu desejo e tédio das viagens, Cansado anseio do meu coração — Cidades, brumas, margens De rios desejadas para olhar... Costa triste, ermo mar Barulhando segredos, Negrume cortiçado dos rochedos D'onde pulsa chiando a espuma na água — — Frio pela consciência dos meus nervos — De não estar eu a ver-vos, ódio-mágoa! Ó Tédio! só pensar estar a ver-vos... Gozo gloriosamente estéril e oco De encher de memórias de cidades, De campos fugitivos, feitos pouco Na fuga do comboio — sociedades Só pensadas de velha bancarrota Surpresas no olhar sobre colinas, Rios sob pontes, águas instantâneas Grandes cidades através neblinas Fábricas — fumo e fragor — sonhos insónias... Mares súbitos, através carruagens Vistos por meu olhar sempre cansado Tudo isto cansa, só de imaginado Tenho em minha alma o tédio das viagens Que quero eu ser? Eu que desejo querer? Feche eu os olhos, e o comboio seja Apenas um estremecimento a [encher?] Meu corpo inerte, meu cérebro que nada deseja E já não quer saber o que é viver... Minuto exterior pulsando em mim Minuciosamente, entreondulando Numa oscilada indecisão sem fim Meu corpo inerte... Sigo, recostando Minha cabeça no vidro que me treme De encontro à consciência o meu ser todo; Para quê viajar? O tédio vai ao leme De cada meu angustiado modo. Por entre árvores — fumo... Ó domésticos (...) escondidos! Ó tédio... Ó dor... O vago é o meu rumo. Viajo só pelos meus sentidos Dói-me a monotonia dessa viagem... Peso-me... Entreolho sem me levantar Estações (...) ... [Campolides?]... Reagem Inutilmente em mim desejos de gozar...
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Fernando Pessoa
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