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Não sei o que se passa comigo: cada vez me assusta mais a solidão. Aos vinte anos, aos vinte e cinco, figurava o paraíso como um quarto vazio, onde o silêncio de um livro ressoava pela noite dentro. Protegia dos amigos minhas horas, dos irmãos, dos apelos do telefone. Como um cego de nascença, estudava a escuridão. Sonhava-me recluso numa ilha de fragais, rodeado de trincheiras, distante de pracetas, acenos, convites para jantar: O lamento era o meu hobby preferido. Não sei se são os trinta anos, a chuva, o sabor de mais um dia derrubado nos transportes colectivos, A queda maligna das primeiras folhas; não sei o que é, talvez o teu amor comece, pouco a pouco, a civilizar-me. Agora, se chego a casa e tu não estás, corro a pôr música, abro janelas, agarro-me ao telefone, como um náufrago, incapaz de suportar por um segundo o terror emboscado debaixo da cama, atrás das estantes, dentro de mim.
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José Miguel Silva
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