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Cessa o teu canto! Cessa, que, enquanto O ouvi, ouvia Uma outra voz Como que vindo Nos interstícios Do brando encanto Com que o teu canto Vinha até nós. Ouvi-te e ouvi-a No mesmo tempo E diferentes Juntas a cantar. E a melodia Que não havia, Se agora a lembro, Faz-me chorar. Foi tua voz Encantamento Que, sem querer, Nesse momento, Vago acordou Um ser qualquer Alheio a nós Que nos falou? Não sei. Não cantes! Deixa-me ouvir Qual o silêncio Que há a seguir A tu cantares! Ah, nada, nada! Só os pesares De ter ouvido, De ter querido Ouvir para além Do que é o sentido Que uma voz tem. Que anjo, ao ergueres A tua voz, Sem o saberes Veio baixar Sobre esta terra Onde a alma erra E com as asas Soprou as brasas De ignoto lar? Não cantes mais! Quero o silêncio Para dormir Qualquer memória Da voz ouvida, Desentendida, Que foi perdida Por eu a ouvir... 09/05/1934
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Fernando Pessoa
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