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No limiar que não é meu Sento-me e deixo o irreflectido olhar Encher-se, sem eu ver, de campo e céu. Se é tarde ou cedo, deixo de notar. Nada me diz de si qualquer coisa que eu Possa gozar. Pelos campos sem fim Sinto correr, porque na face o sinto, Um vago vento, estranho todo a mim. Não sei se penso, ou em que dor consinto Que seja minha ou desespero sem ter fim, Ou se minto. Na inútil hora Eu, mais inútil que ela, sem sentir Fito com um olhar que já nem chora A Dor ou desdém, dolo ou infiel sorrir, O absurdo céu onde nenhuma coisa mora Para eu fruir. Apenas, vaga Não uma esp'rança, mas uma saudade Do tempo em que a esperança, como vaga, Dava na praia da minha ansiedade, Me toma e um surdo marulhar meu ser alaga De vacuidade. Mas acordo e com vão Olhar ainda, mas já diferente, Por estar ausente dele o coração, E eu outra vez, nem mesmo descontente, Fito o céu calmo, o campo, a alegre solidão Inconsciente. Nada, só o dia – Se é tarde ou cedo continuo a errar –, Alheio a mim, a tudo dá a alegria De não ter coração com que agitar O corpo. E, quando vier a noite, tudo esfria Mas sem chorar. Isto e eu comigo Posto no eterno aquém das coisas calmas Que a vida externa mostra ao céu amigo – Campos ao sol, vivas flores almas. Isto só e não ter o coração abrigo Nem sol as almas. 16/02/1920
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Fernando Pessoa
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