Aníbal Machado

A Casa Rouca


Ficara o galo, sobrevivência da ruína.

Rouco o seu canto. Canto que não parecia mais de galo, senão a própria voz da casa abandonada. Casa rachada ao sol, aluindo-se ao vento de chuva.

Não mais agora figuras humanas entrando; apenas lagartixas e morcegos para recepção às sombras.

Casa rouca submersa no matagal, teu galo ficou. E seu canto perdeu o timbre de sol, já não inaugura os dias. E se fez adequado aos estragos do reboco, à podridão das esquadrias – última secreção de pareces gemidas.

Galo rouco. Casa rouca. 

 

 

Homem em preparativos (excertos)


Ando sempre em preparativos.

Troco coisas e idéias.

Alguns me ajudam, servem-se também de mim.

Meu medo é a interrupção dessa busca por colapso de entusiasmo ou pela aparição fácil do objeto.

Vivo assim, amontoando, renovando, corrigindo, experimentando, caindo e me aprumando. Assim não chegará jamais o dia da minha inauguração. Pois o meu pavor é a viagem concluída, a coisa acabada...

O homem que ri


O homem que ri liberta-se. O que faz rir esconde-se.
Teu inimigo de certo modo te pertence: é um dos teus aspectos.

Descosendo o Espaço


O pássaro agonizante põe pela boca os milhares de quilômetros que devorou pelos ares.

 

 

Consumimos


Consumimos o melhor tempo da vida a apalpar o terreno, reunir dados, instalar sondas, armar os aparelhos, ajuntar material. Tudo para começarmos a viver. Quando se aproxima o dia da prova – que dia? que prova? – nossas armas estão caducas, o celeiro apodrecido. Vem-nos então a revolta contra as extorsões do tempo; depois, a desconfiança de que fomos logrados.

E não nos conformamos em reconhecer que na longa prorrogação com que disfarçamos o nosso medo de viver estava a própria realização de nossa vida.

Viver é o mesmo que preparar-se para viver.