António Osório

O Sítio


O mundo sitiou o sonho, e o tem preso
em débeis cidadelas
— suas últimas guaridas.

Os soldados oníricos têm medo
sem armas
e suas caravelas
não têm velas.

Inúteis seus desvelos desarmados
até os sentinelas
fatigados
já estão cedendo ao peso das vigílias.

Vai longo o sítio, e já vão se esgotando
as frágeis provisões
dos sitiados.

O mundo tem seus ásperos soldados
nos dias
pontuais
que na luta não cedem nem recuam.
E nunca erram as duras cimitarras
os seus golpes
diretos e fatais.

O assédio continua, já inúteis os galopes
dos bravos cavaleiros sitiados.

Têm cavalos de mar
e o sítio é em terra.
Têm cavalos de paz
e sítio é guerra.

Fácil de prever o resultado
dos combates travados
desiguais.
Já se aprestam os dias, bons guerreiros
aos ataques certeiros
e finais.

Não é uma coisa só,


Não é uma coisa só,

São muitas coisas nuas.

Não é o desabar de uma casa.

É percorrer os seus escombros.

Não é aguardar por um filho.

É voltar a sê-lo.

Não é penetrar em ti.

É sair de mim.

Não é pedir-te que faças.

É fazer-te.

Não é dormir lado a lado.

É estar jacente de mãos dadas.

Não é ouvir vento e chuva.

É franquear-lhes a cama.

E relâmpago que pela terra se funde.

Haicai


Corte

Crepitou o fogo
E rubro cortou o vôo
da Fidalga palmeira.

Viagem

Pássaro a voar
Na manhã recém-nascida
Rumo à canção.

Perguntas a Várias Mãos


Há tanto tempo em busca daquela alegria para sempre
Há de se manter a fé de achar ainda a thing of beauty
Ou de construí-la.

Más hélas! parece há muito que la chair est triste et jai lu tous les livres

Por onde afinal poderemos começar a façonar o mundo?

Recusamo-nos obstinadamente a crer, apesar de tantas evidências
que a vida é um passo na alfombra de um quarto
que jaz vazio
que a vida é um gesto inútil, como disse o amigo
na hora turva de dia já antigo
será uma seta solta no espaço?
entre duas trevas breve clarão?

Le vent se lève. Il faut tenter de vivre!

Há que resistir
Há que resistir ao tempo
Há que resistir ao nada em galope lancinante
neste tropel bravio de angústias e esquivanças.

Quando virás, demiurgo, promover a libertação?
Onde estás Deus, que te escondes?
Quando chegará o ponto ômega, o momento crístico, a parusia?
Quando a cidade do povo, a nova humanidade?

O grito selvagem do sol faz ainda a cada manhã estremecer a terra
E as línguas largas das águas continuam amorosas a relambê-la
não sabemos ainda, soturnos habitantes às vezes afoitos
Quando virá o libertador
Nem o seu nome.

Será que um dia, e quando, os cânticos jubilares do homem
acordarão as potências telárgicas?
Quando afinal o estronho de tantos prantos e blasfêmias
trará Deus de volta a tem?
Ou aqui O criará à imagem de seu barro?

Será que um dia a semente apodrecida de tantas esperanças
fecundará o velho ventre de Demeter?

Não se sabem respostas
Nem as queremos talvez.
Ser homem é perguntar quem sabe
neste solilóquio máquina de tempo
de caixas de músicas esquecidas de suas melodias
manobradas marionetes por um saltimbanco maneta.

Cântico do Filho Maior


Ao Antônio Cândido

Cresce, filho!

Entre as duras colunas da morte
e não temas a sua altivez
Cresce, filho!

e deixa ferver o teu sangue difícil
na retorta de todos os amores

Cresce, filho!

e canta em dó maior os teus cânticos
sem temor às dissonâncias

Cresce, filho!

e planta se preciso tua semente no granito
porque se a irrigares de vigílias e suores
ela se fará em larga palma
que será baliza para os pássaros
receberá a visita das abelhas
e ajudará o vento a reger as suas orquestras.

Cresce, filho!

e faz de tua face uma lança
de tuas mãos um arado
de teus olhos uma chama

para construir da terra berço e templo
aos homens que estão em ti guardados.