Branquinho da Fonseca

Naufrágio


A rua cheia de luar
Lembrava uma noiva morta
Deitada no chão, à porta
De quem a não soube amar.

Já não passava ninguém...
Era um mundo abandonado...
E à janela, eu, tão Além,
Subia ressuscitado...

Vi-me o corpo morto, em cruz,
Debruçado lá no Fundo...
E a alma como uma luz
Dispersa em volta do mundo...

Mas, à tona do mar morto,
Um resto de caravela
Subia... E chegava ao porto
Com a aragem da janela.

As Viagens


Antes seja afastado do que já alcancei que o seja daquilo para que vou. A posse é um declínio.
Antes um pássaro a voar que dois na mão. Dois pássaros na mão são o que já não falta. Um pássaro a voar: é ir com os olhos a voar com ele; ir sobre os montes, sobre os rios, sobre os mares; dar a volta ao mundo e continuar; é ter um motivo de viver — é não ter chegado ainda.

Castanheiros, Irmãos


Ó castanheiros de folhas de ouro,
Carregados de ouriços que são ninhos
Onde as castanhas dormem como noivos!

Troncos abertos,

Casas abertas,
Ao vosso abrigo
Dormem os pobres,
Pegam no sono,
Passam as noites
Quando cai neve!

Peitos vazios,
Escancarados,
Sem nada dentro,
Nem coração!
Dais lume, calor
E dais sustento para a mesa,
E dais o mais que eu não sei!...

Ó castanheiros de folhas de ouro,
Apenas sou vosso irmão
Em que a terra vos criou
E criou-me a mim também;
Em que vós ergueis os braços
Suplicantes para os céus
E eu também levanto os meus...

Ah! Castanheiros, mas eu
Grito e vós ficais calados!
Seremos, por isto só,
Irmãos? Seremos? Não sei:
Vós tendes roupas de rei,
Eu tenho roupas de Job;
Vós só gritais quando o vento
Vos abre a boca e fustiga:
Então ergueis um clamor...
— Não calo nunca no peito
A dor do meu sofrimento
E nunca chego a dize-la,
Nem há ninguém que me diga.

Ó castanheiros de folha de ouro,
Não,
Eu não sou vosso irmão!...

O Arquipélago das Sereias


Ó nau Catarineta
Em que andei no mar
Por caminhos de ir,
Nunca de voltar!

Veio a tempestade
Perder-se do mundo,
Fez-se o céu infindo,
Fez-se o mar sem fundo!

Ai como era grande
O mundo e a vida
Se a nau, tendo estrela,
Vogava perdida!

E que lindas eram
Lá em Portugal
Aquelas meninas
No seu laranjal!

E o cavalo branco
Também lá o via
Que tão belo e alado
Nenhum outro havia!

Mundo que não era,
Terras nunca vistas!
Tive eu de perder-me
Pra que tu existas.

Ó nau Catarineta
Perdida no mar,
Não te percas ainda,
Vem-me cá buscar!