Cacaso

Dentro de Mim Mora um Anjo


Quem me vê assim cantando
não sabe nada de mim
dentro de mim mora um anjo
que tem a boca pintada
que tem as asas pintadas
que tem as unhas pintadas
que passa horas a fio
no espelho do toucador
dentro de mim mora um anjo
que me sufoca de amor

Dentro de mim mora um anjo
montado sobre um cavalo
que ele sangra de espora
ele é meu lado de dentro
eu sou seu lado de fora
Quem me vê assim cantando
não sabe nada de mim

Dentro de mim mora um anjo
que arrasta as suas medalhas
e que batuca pandeiro
que me prendeu nos seus laços
mas que é meu prisioneiro
acho que é colombina
acho que é bailarina
acho que é brasileiro


Publicado no livro Mar de mineiro: poemas e canções (1982). Poema integrante da série Papos de Anjo da Guarda.

In: CACASO. Beijo na boca e outros poemas. São Paulo: Brasiliense, 1985. p.139

NOTA: Música de Sueli Cost

As Coisas


O melão melou
A casa casou
A bola bolou
A rola rolou
O mato matou
O dia adiou
A gia giou
A pia piou
O pinto pintou
O boi boiou
O gato engatou
O pato empatou
A pomba empombou
A paca empacou
O galo galou
O ralo ralou
O calo calou
O barco embarcou
A vaca avacalhou
A banana embananou
A sombra assombrou
O raio raiou
O piru pirou


In: CACASO. Beijo na boca e outros poemas. São Paulo: Brasiliense, 1985. Poema integrante da série Letras.

NOTA: Música de Cláudio Nucc

A Casa


Na minha infância quando chovia
batia sobre o telhado
uma pancada macia
a noite vinha de fora
e dentro de casa caía
meu olho esquerdo dormia
enquanto o outro velava
havia portas rangendo
lá fora o vento miava
no fundo da noite a casa
parece que navegava
meu coração passeava
por uma sala sombria
por este lado se entrava
por este outro se olhava
e por nenhum se saía

Na minha infância quando chovia
batia sobre o meu peito
uma suave agonia
a noite vinha de longe
e dentro da gente caía
meu pai que sempre saía
numa viagem calada
havia vozes chamando
na boca da madrugada
no fundo da noite a casa
parece que despertava
assombração que passava
no sopro da ventania
por este lado se entrava
por este outro se olhava
e por nenhum se saía


In: CACASO. Mar de mineiro: poemas e canções. Fotos de Pedro de Moraes. Il. Malena Barreto. Rio de Janeiro: Grafit Gráf. e Impressos, 1982. Poema integrante da série Sete Preto.

NOTA: Música de Dulce Nune

Estilos de Época


Havia
os irmãos Concretos
H. e A. consanguíneos
e por afinidade D.P.,
um trio bem informado:
dado é a palavra dado
E foi assim que a poesia
deu lugar à tautologia
(e ao elogio à coisa dada)
em sutil lance de dados:
se o triângulo é concreto
já sabemos: tem 3 lados.


Publicado no livro Grupo Escolar (1974). Poema integrante da série 2a. Lição: Rachados e Perdidos.

In: CACASO. Beijo na boca e outros poemas. São Paulo: Brasiliense, 1985. p.106

NOTA: Referência aos poetas Haroldo de Campos, Augusto de Campos e Décio Pignatari, signatários do 'Plano Piloto para Poesia Concreta' (1958); ao verso 'flor é a palavra flor', de João Cabral de Melo Neto ("Antiode"); Ao poema "Um Lance de Dados", de Mallarm

De colorida já basta a


De colorida já basta
a vida


In: CACASO. Beijo na boca e outros poemas. São Paulo: Brasiliense, 1985. Poema integrante da série Inéditos