Eugenio Montale

NUMA CARTA NÃO ESCRITA


Por um formigueiro de auroras, por uns poucos
arames em que se prende
a lá da vida e se enrola
em horas, anos, hoje os golfinhos aos pares
cabriolam com as crias? Oh que eu não ouça
nada de ti, que eu fuja ao fulgor
da tua fronte. É diferente na terra.

Desaparecer não sei, nem tornar a olhar; tarda
a fornalha vermelha
da noite, a tarde se faz longa,
a súplica é suplício e não ainda
entre as rochas que afloram te chegou
a garrafa do mar. A onda vazia
quebra-se contra o cabo em Finisterra.

VENTO NO CRESCENTE


A grande ponte não levava a ti.
Procurar-te-ia mesmo navegando
pelos esgotos a uma ordem tua.
Mas com o sol nos vidros das varandas
a minha força declinava já.

Um homem que prègava no Crescente
pergunta: Sabe onde está Deus? Sabia,
logo lhe disse. Abanou a cabeça,
mas foi no turbilhão que homens e casas
levava e levantava no negrume.

Vós, palavras, traís em vão


Vós, palavras, traís em vão o ataque
secreto, o vento que sopra no coração.
A razão mais verdadeira é de quem cala.

Estar sempre entre os primeiros


Estar sempre entre os primeiros e saber, é isso que conta.