Fernando Assis Pacheco

Com a tua letra


Porque eu amo-te, isto é, dou caboda escuridão
do mundo.

Mas agora que vai descer a noite na minha vida


Mas agora que vai descer a noite na minha vida

Triste de mim mais triste que a tristeza

triste como a mão que segura o copo

como a luz do farol esgaçando a névoa

triste como o cão manco

deixado na estrada pelos caçadores

triste como a sopa entretanto azeda

mais triste que a idiotia congénita

ou que a palavra ampola

triste de mim triste e perdido

entre duas ruas

uma que vai para o Norte outra para o Sul

e ambas cortadas aos peões

que não cooperam devidamente

(com este governo de merda é claro)

triste como uma puta alentejana

num bar de Ourense

que me viu à cerveja e lesta

me chamou compadre

vozes que a gente colecciona

a tarde triste os anos tristes

a grande costura da tristeza

do esterno ao baixo ventre

triste e já sem nenhum reparo

a fazer à metafísica

senão que é um défice

porventura do córtex cerebral

Chula das fogueiras


Amor amor meu big amor
eu dizia shazam e tu não me ligavas
pus Mandrake a seguir-te hábil nos truques
e tu não me ligavas
em qualquer planeta verde e avançadíssimo
tu não me ligavas
estendi o meu braço Homem de Borracha até S. Martinho do Bispo
e tu não me ligavas ponta nenhuma
tu querias era casar na Sé Nova
branquingénua abusar do meu livre alvedrio
fiz-te pois um manguito do tamanho dum choupo
e cá estou pai de filhos um bocado estragado
mas não por tua causa que já não existes
ó sombra de sombra à esquina da farmácia

Fecit


Este livro é teu que me aturaste
desvairos saüdades amorios
desde o primeiro mal cozinhado verso
ó cúmplice
um que me lê com respeito e vagar
a quem devo chamar prestante amigo
neste mundo de tanta cabronada
o livro é o que é nenhum enleio
nenhuma assinatura a baixo preço
não estou nessa tal lista e tem também
a confissão banal dos mil cagaços
de morrer (dores intercostais músculos
caindo na barriga da perna)
como se eu fosse à noite um filho terno
e teu, leitor, que o não desamparaste
*
Peçam grandiloqüência a outros
Acho-a pulha no estado actual da economia
*
E não sublinhem o que não escrevi
*
A ti compadre irmão saúdo e já termino
com só o fósforo duma estrela
na lixa do fim da tarde
(todos os poemas inVariações em Sousa, 1987)

A namoradinha de organdi


Como na dança ritual dos patos colhereiros se te amei
foi a cem por cento da minha capacidade metafórica
mas copiado de livros onde o herói sempre enviuvava
cruzei imensas vezes sob a tua varanda com glicínias
pensando numa cena infeliz à moda do Harold
eu sonhava contigo?
eu assoava-me ao pijama!