Frederico Barbosa

Como quem lê


Virar a chave,como quem lê uma página:abrir por dentro,libertar-se sendo.Como quem se envolve na personagem,lento.

Descobrir o além do sonho,o impensado, o certo,o mais que imaginado.O que os olhos buscam cobrirno sonho.

Ver em você, minha cara,minha cara interpretada:metade minha, metade clara.

Poema em espanhol

Av Brasil, SP, 1987


flor de farol
colhida às pressas
entre o tédio maquinal da marcha lenta

sinal
de diferença
em meio à indiferença metálica
desses corpos impessoais
na agonia
da imobilidade densa

semáforo
signo insano
ensaio de abalo sísmico
lente de aumento
no amor e na impaciência


In: BARBOSA, Frederico. Rarefato. São Paulo: Iluminuras, 1990. Poema integrante da série 2 - Geografias

All or Nothing at All


Tudo ou todo nada,
pedra ou furo d'água,
feito cada palavra,
lança, dardo, ferida,
em cheio nada.

De nada em nada,
o se-dizer do tudo,
feito risco na água,
onda, contorno,
reflexo de nada.

Nada feito nada,
no poema
não há termo meio,
meio-amor, meia-palavra.

Do sem
sentido intenso
se faz
um tudo atento,
feito a palavra
em
cantada,
nada
feito
nada.


In: BARBOSA, Frederico. Nada feito nada. São Paulo: Perspectiva, 1993. (Signos, 15). Poema integrante da série 5 - Repertório

A Reconstituição de um Poema, 1986


Traços de tinta no papel cortado:
pedaços de uma mesma declaração
reiterada a cada palavra vaga,
mesmo a mais errônea e emocionada.

Esse seu soneto (ainda mais um)
minha mão insegura, tola e tonta,
pronta a tramar sua própria destruição,
em momento algum logrou rasgar

Pois mesmo cega faca e inconstante,
sendo incapaz de se saber feliz,
confiar na felicidade que há,

sabe e sente que ser é diferente,
nesse mundo de triste imperfeição,
quando se ama de forma tão exata.


In: BARBOSA, Frederico. Rarefato. São Paulo: Iluminuras, 1990. Poema integrante da série 4 - Aos Mesmos Sentimentos

Certa Biblioteca Pessoal 1978


I

se é corvo
oh! nevermore!
diz: ovo! e
humpty dumpty
cai o mundo
movendo e
vamos indo
findo finnegan
rindo e... oh!
nevermore!

II

eliot pagando
em pound
a sandice dantes
no inferno:
wall street.

III

centauro cartesiano
cantor careca de
cadeiras, cogumelos
cogumelos?
meudeus! cogumelos!
fede a fresco
seis personagens
à cata do dog god
morcego cego
godot
ditando heitor
três voltas em fuga
... parou.
filhos de príamo
double dublin
moscou

IV

no mais nemirovich
gaivotas no cerejal
como queria tchecov
maiakóvski soprando
gorki lembrando
estudem, estudem!
dostoievski ou tolstoi?
tanto faz
tanto fez que
stanislavski
rouxinol seria cotovia?
mesmo mero, melhor homero
(tolstoi xingando)
morreu romeu e
marlowe comeu
manuscritos
na tumba.


In: BARBOSA, Frederico. Nada feito nada. São Paulo: Perspectiva, 1993. (Signos, 15). Poema integrante da série 4 - Certa Biblioteca Pessoal.

NOTA: Poema composto de 7 parte