Gilberto Mendonça Teles

Chá das Cinco


A Jorge Amado

chá de poejo para o teu desejo
chá de alfavaca já que a carne é fraca
chá de poaia e rabo de saia
chá de erva-cidreira se ela for solteira
chá de beldroega se ela foge e nega
chá de panela para as coisas dela
chá de alecrim se ela for ruim
chá de losna se ela late ou rosna
chá de abacate se ela rosna e late
chá de sabugueiro para ser ligeiro
chá de funcho quando houver carunhco
chá de trepadeira para a noite inteira
chá de boldo se ela pedir soldo
chá de confrei se ela for de lei
chá de macela se não for donzela
chá de alho para um ato falho
chá de bico quando houver fuxico
chá de sumiço quando houver enguiço
chá de estrada se ela for casada
chá de marmelo quando houver duelo
chá de douradinha se ela for gordinha
chá de fedegoso pra mijar gostoso
chá de cadeira para a vez primeira
chá de jalapa quando for no tapa
chá de catuaba quando não se acaba
chá de jurema se exigir poema
chá de hortelã e até manhã
chá de erva-doce e acabou-se

(pelo sim pelo não
chá de barbatimão)

Caiporismo


Um dia um caipora, baixinho, gordo e nu,
montou num caititu e foi pro mato afora
fazendo um sururu dos diabos.

E logo todos os bichos se amoitaram e só
saíram aos cochichos, aproveitando o pó
da noite que tecia seu manto de jaó.

Mas um velho goiano (seis mortes, por aí)
arrumou seu jirau sobre um pé de pequi
e ficou escuitano jaó e juriti.

Esperava veado e só então deu fé
naquilo que a seu lado parecia de pé
e tinha o corpo todo seco que nem sapé.

Quem não teme o diabo e arreliado está
sabe bem que no cabo de sua faca só há
sangue de coisa ruim, cheiro de coisa má.

Com três golpes no umbigo matou o caipora.
Mas quando ia embora viu-se baixinho e nu
montando um caititu e indo pro mato afora
fazendo um sururu dos diabos.


In: TELES, Gilberto Mendonça. Saciologia goiana. 3. ed. Goiânia: Cerne, 1986. p. 72. Poema integrante da série Sombras da Terra

Era um moinho sem vento


Era um moinho sem vento,
uma palmeira sem chão,
estrela sem firmamento,
tristeza sem solidão.

(Queria agarrar o tempo,
vê-lo na palma da mão.
Ir ao contrário volvendo-o,
fechá-lo no seu galpão.
Depois soltá-lo em silêncio,
segui-lo na direção
que a vida com seus inventos
perdeu em libertação.)

Deu o vento no moinho,
teve a palmeira seu chão,
teve a estrela o seu caminho
e a tristeza, a solidão.

(Tentou gritar que era tarde,
que a vida perdia em vão.
Veio um anjo de alvaiade,
cantou-lhe alguma canção.
Depois olhou-o espantado,
jogou as asas no chão,
tirou a rosa dos lábios
e pôs-lhe o tempo na mão.)


Publicado no livro Sintaxe invisível (1967).

In: TELES, Gilberto Mendonça. Os melhores poemas. Seleção de Luiz Busatto. São Paulo: Global, 1993. p. 54. (Os Melhores poemas, 27

Coreografia do Mito


4. "Un pas de trois"

Houve um reino qualquer e três sereias
que afinavam seu canto na linguagem:
a virgem, a casada e a que passava
seus dias na janela.
E havia a forma
de sirene e silêncio,
essas metades,
renda de bilro, milongagem, força
oculta e sem governo,
latejantes
nas têmporas do mito.

A primeira voltou à sua estância,
leu Bandeira, fez versos,
desnudou-se.
E, cumprindo o ritual, como sereia,
foi banhar-se num rio de água doce.

A segunda voltou-se para o mar,
tomou banho lustral de fevereiro,
fez cirandas na areia e ouviu lendas
da lira pendurada no coqueiro.

A terceira me deu esta janela
com desenho de peixe na vidraça.
E está sempre acenando
lá do fundo
do rio que não passa.


In: TELES, Gilberto Mendonça. Saciologia goiana. 3. ed. Goiânia: Cerne, 1986. p. 69-70. Poema integrante da série Sombras da Terra.

NOTA: Poema composto de 4 partes: 1. Lorelei; 2. Iemanjá; 3. Iara; 4. Un pas de troi

Descrição


o sarro do saci
a farra do saci
o berro do saci
a guerra do saci
o birro do saci
a birra do saci
o gorro do saci
a p. do saci
o pulo do saci
a gula do saci


In: TELES, Gilberto Mendonça. Saciologia goiana. 3. ed. Goiânia: Cerne, 1986. p. 38. Poema integrante da série Sombras da Terra