Gilka Machado

Esboço


Teus lábios inquietos
pelo meu corpo
acendiam astros...
e no corpo da mata
os pirilampos
de quando em quando,
insinuavam
fosforecentes carícias...
e o corpo do silêncio estremecia,
chocalhava,
com os guizos
do cri-cri osculante
dos grilos que imitavam
a música de tua boca...
e no corpo da noite
as estrelas cantavam
com a voz trêmula e rútila
de teus beijos...
(in Sublimação, 1928)

Emotividade da Cor


A Dolores Marques Caplonch
e a Miguel Caplonch


Sete cores — sete notas erradias,
sete notas da música do olhar,
sete notas de etéreas melodias,
de sons encantadores
que se compõem entre si,
formando outras tantas cores,
do cinzento que cisma ao jade que sorri.

Há momentos
em que a cor nos modifica os sentimentos,
ora fazendo bem, ora fazendo mal;
em tons calmos ou violentos,
a cor é sempre comunicativa,
amortece, reaviva,
tal a sua expressão emocional.

Lançai olhares investigadores
para a mancha dos poentes:
há cores que são ecos de outras cores,
cores sem vibrações, cores esfalecentes,
melodias que o olhar somente escuta,
na quietude absoluta,
ao Sol se pôr...
Quem há que inda não tenha percebido
o subjetivo ruído
da harmonia da cor?

(...)

— A Cor é o aroma em corpo e embriaga pelo olhar.
Cor é soluço, cor é gargalhada,
cor é lamento, é suspiro,
e grito de alma desesperada!
Muitas vezes a cor ao som prefiro
porque a minha emoção é igual à sua:
— parada, estatelada
dizendo tudo, sem que diga nada,
no prazer ou na dor.

Olhar a cor
é ouvi-la,
numa expressão tranquila,
falar de todas as sensações
caladas, dos corações;
no entanto, a cor tem brados,
mas brados estrangulados,
mágoas contidas,
mudo querer,
ânsia, fervor, emotividade
de desconhecidas
vidas,
que se ficaram na vontade,
que não conseguiram ser...

Cores são vagas, sugestivas toadas...

Cores são emoções paralisadas...

(...)


Publicado no livro Estados de alma (1917).

In: MACHADO, Gilka. Poesias completas. Apres. Eros Volúsia Machado. Rio de Janeiro: L. Christiano: FUNARJ, 1991, p. 141-143

Encantamento


A Francisco Alves
- O perfeito intérprete da canção brasileira

Canta,
que tua voz
ardente e moça
faz com que eu sinta a meiguice
das palavras que a vida não me disse.

Para te ouvir melhor
abro as janelas
e fico a sós
com tua voz
sonhando
que a noite está cantando
pelos lábios de fogo das estrelas.

Canta,
boca febril que não conheço,
que nunca me falaste e que me dizes tudo!...

Ave estranha
de garras de veludo,
entoa para mim
uma canção sem fim!

Canta,
que ao teu canto vejo
em tudo
quietude atroz
de insatisfeito desejo
Canta,
— em cada ouvido há um beijo
para tua linda voz.

(...)


Publicado no livro Sublimação (1938).

In: MACHADO, Gilka. Poesias completas. Apres. Eros Volúsia Machado. Rio de Janeiro: L. Christiano: FUNARJ, 1991, p. 335

Chuva de Cinzas


Chuva de Cinzas

Chuva de cinzas...Cai a tarde lá por fora
na estática mudez da Terra triste e viúva;
e, da tarde ao cair, sinto, minha alma, agora,
embuça-se na cisma e no torpor se enluva.

Hora crepuscular, hora de névoas, hora
em que de bem ignoto o humano ser enviúva;
e, enquanto em cinza todo o espaço se colora,
o tédio, em nós, é como uma cinérea chuva.

Hora crepuscular - concepção e agonia,
hora em que tudo sente uma incerteza imensa,
sem saber se desponta ou se fenece o dia;

hora em que a alma, a pensar na inconstância da sorte,
fica dentro de nós oscilando, suspensa
entre o ser e o não ser, entre a existência e a morte.
(Velha Poesia, Ed.Baptista de Souza, Rio, 18965, pag.15)

Aos Heróis do Futebol Brasileiro


Eu vos saúdo
heróis do dia
que vos fizestes compreender
numa linguagem muda,
escrevendo com os pés
magnéticos e alados
uma epopéia internacional!

As almas dos brasileiros
distantes
vencem os espaços,
misturam-se com as vossas,
caminham nos vossos passos
para o arremesso da pelota
para o chute decisivo
da glória da Pátria.

Que obra de arte ou de ciência,
de sentimento ou de imaginação
teve a penetração
dos gols de Leônidas
que, transpondo balizas
e antipatias,
souberam se insinuar
no coração
do Mundo!

Que obra de arte ou de ciência
conteve a idéia e a emotividade
de vossos improvisos
em vôos e saltos,
ó bailarinos espontâneos
ó poetas repentistas
que sorrindo oferecestes vosso sangue
à sede de glória
de um povo
novo?

Ha milhões de pensamentos
impulsionando vossos movimentos.

Na esportiva expressão
que qualquer raça entende
longe de nossa decantada natureza
os Leônidas e os Domingos
fixaram na retina do estrangeiro
a milagrosa realidade
que é o homem do Brasil.

Eia
atletas franzinos
gigantes débeis
que com astúcia e audácia,
tenacidade e energia
transfigurai-vos,
traçando aos olhos surpresos
da Europa
um debuxo maravilhoso
do nosso desconhecido país.


Publicado no livro Sublimação (1938).

In: MACHADO, Gilka. Poesias completas. Apres. Eros Volúsia Machado. Rio de Janeiro: L. Christiano: FUNARJ, 199