Haroldo de Campos

O Instante


o instante
é pluma

seu holograma
radia estável

como quem olha pelo cristal
do tempo

feixe fixo
de luz

(já não se vê se o olho deixa sua seteira)

prisma

o sol
chove
de um teto
zenital

elipse: um estilo de persianas


In: CAMPOS, Haroldo de. Signatia quasi coelum = signância quase céu. São Paulo: Perspectiva, 1979. p. 35. (Signos, 7).

Aproximações ao Topázio


o topázio
canibaliza seus amarelos
lente no olho tórrido
da luz
forno solar




aqui se mascam
carvões ardentes


(cinzas, fogos rasurados, cúspides
truncadas: br/asa)



o girassol pensa:
leopázios!


In: CAMPOS, Haroldo de. Singnatia quasi coelum = signância quase céu.
São Paulo: Perspectiva, 1979. p. 53. (Signos, 7).

Nomeação do Azul-Volpi


um
rouxinegro
canta
no azul-
volpi

uma
asa
violeta
a escanteio
triângula
no
branco

volpinveste
um vermelho
de vermelhos
e iça a
bandeira
branca

roságua o
rosa
e abre
para este
canto
onde
o rouxinegro
azula
ogivando-se
e
:
quadrosquadros
zulminâncias
volpilúminos


julho 72

Poema integrante da série 6 Metapinturas e 1 Meta-Retrato.

In: CAMPOS, Haroldo de. A educação dos cinco sentidos: poemas. São Paulo: Brasiliense, 1985. p. 92-93

hieróglifo para mario schoenberg


o olhar transfinito do mário
nos ensina
a ponderar melhor a indecifrada
equação cósmica

cinzazul
semicerrando verdes
esse olhar
nos incita a tomar o sereno
pulso das coisas
a auscultar
o ritmo micro -
macrológico da matéria
a aceitar
o spavento della materia (ungaretti)
onde kant viu a cintilante lei das estrelas
projetar-se no céu interno da ética

na estante de mário
física e poesia coexistem
como asas de um pássaro -
espaço curvo -
colhidas pela têmpera absoluta de volpi

seu marxismo zen
é dialético
e dialógico

e deixa ver que a sabedoria
pode ser tocável como uma planta
que cresce das raízes e deita folhas
e viça
e logo se resolve numa flor de lótus
de onde
- só visível quando damos conta -
um bodisatva nos dirige seu olhar transfinito.

Rochester: High Falls - Genesee River


um festival de laser
fluorescendo
contra as rochas

no fundo
— jorro alvíssimo —
o véu da catarata
ora azul ora
rosa
cambiando ao
arbítrio da luz

riscos verdeazúis
cortam o céu noturno
como finos floretes
diglandiando-
se

gatos e ursos e novamente
gatos
— míticos bonecos de walt disney —
dançam
no telão das rochas
ao ritmo do
rock


In: CAMPOS, Haroldo de. Crisantempo: no espaço curvo nasce um. São Paulo: Perspectiva, 1998. p. 303. (Signos, 24).