José Bento

2. OITAVA


Entre magra y gordinha é a figura
que deve ter a dama se é formosa;
e a meio entre a alvura e a negrura
é a cor de todas mais graciosa;
a meio entre a dureza e a brandura
é a carne de fêmea mais gostosa.
Enfim, há-de ter em tudo o meio,
pois o melhor de tudo é o do meio.

10


Damas, as que vos queixais de mal casadas,
fazei-vos desejar, fareis amar-vos;
que jamais aconteça o ofertar-vos,
por mais que estejais sendo abraçadas.
   Sempre haveis de mostrar que sois forças,
que vos vence o marido; e, ao furtar-vos,
com resistência sempre haveis de amar-vos;
vereis como sereis mais estimadas.
   Quando sentirdes mais o que ele quer,
demonstrareis bem menos percebê-lo;
deixai que ele o procure que mão tem.
    E quando ele o buscar e requerer,
antes que vós chegueis a concedê-lo,
comprovai o apetite com que vem.

3


Não existe mulher a que eu não queira,
a todas amo e sou afeiçoado;
de toda a espécie, condição e estado,
a todas amo na sua maneira.
   Adoro a carinhosa e a severa,
pela ingénua e sensata sou tarado,
e por morena e clara enamorado,
quer seja ela casada, quer solteira.
    Tudo quanto Deus cria é boa cousa,
tão mulher é esta como é aquela,
pois o que uma possui a outra tem.
   Quer seja ela medonha, quer formosa,
é sempre tê-la por formosa e bela:
quer na mulher o homem põe-se bem.

12


Esse chegar de repente e abraça-la,
esse pôr-se a lutar ele com ela,
esse cruzar suas pernas com as dela,
aquele poder mais ele e derrubá-la;
aquele vir abaixo, e ele sobre ela,
e ela cobrir-se e ele destapá-la,
esse pegar na lança e espetá-la,
e esse teimar dela até metê-la;
esse jogo de lombos e cadeiras,
e as palavras tão meigas e amorosas
que um ao outro murmuram, apressado;
esse voltar e andar de mil maneiras,
e fazer neste transe outras mil coisas
nas legítimas perdem os casados.

8


Vento as saias ergueu da minha vida:
a sapatilha vi, muito encarnada,
e a calcinha estreita e esticada,
com a formosa liga bem cingida.
   Meus olhos foram logo de corrida
pra ver a coisa enfim que mais agrada;
porém, pela camisa delicada
foi-lhes a doce vista proibida.
   Ó camisa cruel e rigorosa!
Por que razão ver não me deixaste
o que não te importava eu visse e tenta?
   Mas julgo deve ser tão bela coisa
que por ela até te enamoraste,
e por isso a escondes por ciumenta?