José Chagas

Soneto da Manhã Primeira


Quero a manhã exata, a manhã viva,
pois estas luzes e estes vôos na aurora,
são só ensaios de manhãs. E agora
o que eu quero é a manhã definitiva,

a autêntica manhã pura, exclusiva,
manhã nascida de si mesma e fora
desta jubilação falsa e sonora
que só por um momento nos cativa.

Ah, a manhã da última promessa,
manhã de um novo mundo que começa,
mais acessível, mais humano e bom.

Meu Deus, seria como chegasse
a manhã do primeiro sol que nasce,
a cor primeira e do primeiro som.

O Apito do Passado


O Mearim derrama na distância
uma água que em sonhos nos invade,
como fio invisível que se lance a
separar em duas a cidade.

E essa água vem banhar sem que se canse a
vida inteira que no rio nade,
porquanto água de amor que lava infância
lava também velhice e mocidade.

Mearim — rio velho e rio novo,
alegria e aflição de um mesmo povo —
um mar se afoga nos mistérios teus.

Mas preservas em ti, para Pedreiras,
vibrando no ar, o apito das primeiras
lanchas que nos deixaram seu adeus.