Louise Glück

O dilema de Telêmaco


Nunca consigo decidir
o que escrever
nas lápides de meus pais. Sei
o que ele quer: ele quer
amado, o que por certo
vai direto ao ponto, particularmente
se contarmos todas
as mulheres. Mas
isso deixa minha mãe
a descoberto. Ela me diz
que isto não lhe importa
para nada; ela prefere
ser representada por
suas próprias conquistas. Parece
pura falta de tato lembrar aos dois
que alguém não
honra aos mortos perpetuando
suas vaidades, suas
projeções sobre si mesmos.
Meu próprio gosto dita
precisão sem
tagarelice; eles são
meus pais, consequentemente
eu os vejo juntos,
às vezes inclinado a
marido e mulher, outras a
forças opostas.

O lírio prateado


As noites ficaram frias de novo, como as noites
de começo de primavera, e quietas de novo. Será
que a conversa te incomoda? Estamos
sozinhos agora; não temos razão para silêncio.

Vês, sobre o jardim — a lua cheia nasce.
Não verei a próxima lua cheia.

Na primavera, quando a lua nascia, significava
que o tempo era infinito. Anêmonas
abriam e fechavam, as sementes
em cachos caíam dos bordos em pálidas lufadas.
Branco sobre branco, a lua nascia sobre o vidoeiro.
E no arco em que a árvore se divide,
folhas dos primeiros narcisos, ao luar
prata-verde-claras.

Juntos, chegamos perto demais do fim para agora
temermos o fim. Nessas noites, não estou nem mesmo certa
de que sei o que significa o fim. E tu, que estiveste
com um homem —
depois dos primeiros gritos,
não faz a alegria, como o medo, barulho algum?

Mãe e filho


Somos todos sonhadores; não sabemos quem somos.

Alguma máquina nos criou; a máquina do mundo, a constritiva família.
Então, de volta ao mundo, polidos por suaves chicotes.

Sonhamos; não lembramos.

A máquina da família: pelagem negra,
florestas do corpo materno.
A máquina da mãe: a cidade branca
dentro dela.

E antes disso: terra e água.
Musgo entre as pedras, pedaços de folha e grama.

E antes, células numa imensa escuridão.
E antes disso, o mundo velado.

É por isto que você nasceu: para me calar.
Células de minha mãe e de que pai, é a sua vez
de ser fundamental, de se tornar uma obra-prima.

Eu improvisei; eu nunca me lembro de nada.
Agora é sua vez de se deixar guiar;
é você quem exige saber:

Por que eu sofro? Por que sou ignorante?
Células numa imensa escuridão. Alguma máquina nos criou;

é sua vez de se dirigir a ela, de ficar perguntando
qual é meu propósito? Qual é meu propósito?

A rosa branca


Isto é a terra? Então
não sou daqui

Quem és tu na janela acesa,
agora à sombra das folhas trêmulas
do viburno?
Podes sobreviver onde não vou durar
Além do próximo verão?

A noite inteira os galhos esguios da árvore
movem-se e sussurram à janela iluminada.
Explica a minha vida, tu que não fazes sinal algum,

embora eu chame por ti na noite:

não sou como tu, tenho apenas
meu corpo como voz; não posso
desaparecer no silêncio —

E na manhã fria
sobre a superfície escura da terra
vagueiam ecos da minha voz,
brancura que firme se consome em escuridão

como se finalmente fizesses um sinal
para me convencer de que também não pudeste sobreviver aqui
ou para me mostrar que não és a luz que chamei
mas o breu atrás dela.

Ítaca


O ser amado não
precisa viver. O ser amado
vive na cabeça. O tear
é para os pretendentes, suspenso
como uma harpa de brancos filamentos.

Ele era duas pessoas.
Era corpo e voz, o fácil
magnetismo de um homem vivo, e então
o sonho revelado ou a imagem
formada pela mulher manejando o tear,
ali sentada num salão cheio
de homens de mentes literais. 

Se te causa pena
o mar enganado que tentou
levá-lo para sempre
e devolveu apenas o primeiro,
o verdadeiro marido, deverias
sentir pena desses homens: eles não sabem
para o que estão olhando;
eles não sabem que quando alguém ama dessa maneira
o manto se torna um vestido de casamento.