Cadáver de Virgem
Estava no caixão como num leito,
Palidamente fria e adormecida;
As mãos cruzadas sobre o casto peito,
E em cada olhar sem luz um Sol sem vida.
Pés atados com fita em nó perfeito,
De roupas alvas de cetim vestida;
O tronco duro, rígido, direito,
A face calma, lânguida, dorida...
O diadema das virgens sobre a testa,
Níveo lírio entre as mãos, toda enfeitada,
Mas como noiva, que cansou na festa.
Por seis cavalos brancos arrancada...
Onde irás tu passar a longa sesta
Na mole cama, em que te vi deitada?!...
A Primeira Lágrima
Quando a primeira lágrima caindo,
Pisou a face da mulher primeira,
O rosto dela assim ficou tão lindo
E Adão beijou-a de uma tal maneira,
Que anjos e Tronos pelo espaço infindo
Qual rompe a catadupa prisioneira,
As seis asas de azul e douro abrindo,
Fugiram numa esplêndida carreira.
Alguns, pousando à próxima montanha,
Queriam ver de perto os condenados
Da dor fazendo uma alegria estranha.
E ante o rumor dos ósculos dobrados,
Todos queriam punição tamanha,
Ansiosos, mudos, trêmulos, Pasmados..
A Saída
O galo canta: o ar, que freme, é quente:
Desce ruflando pelo vale o vento;
Há no horizonte os rolos de uma enchente
Do mar, que invade e doura o firmamento.
Toca a sineta; vem saindo a gente
Da senzala, num jorro sonolento:
Depois da reza, a passo tardo e lento,
Enxada ao ombro, dois a dois em frente,
Ao eito vão pelo carreiro aberto:
O mato cheira, rumorejam ninhos
No cafezal, de branca flor coberto...
Há um grande chilrar de passarinhos...
E enquanto o escravo vai... segue-o de perto
A risada da luz pelos caminhos...
Publicado no livro Rosas negras (1938).
In: DELFINO, Luiz. Os melhores poemas. Sel. Lauro Junkes. São Paulo: Global, 1991. p.74. (Os Melhores poemas, 23Cio
Não ouças, não, o soluçar do cheiro
Dos lírios brancos, dos rosais florentes...
Que te não fale ao ouvido o jasmineiro...
No vale Pã e os Sátiros não sentes?...
Olha. É cada perfume um mensageiro,
Que te enlaça nas asas transparentes:
Cantam teu nome os troncos e as correntes,
Dançando aos sons de um colossal pandeiro!...
Com junquilhos gentis prende-te os pulsos
Eros, morde-te estranho calafrio,
Antes carícia, o flanco, e aos seus impulsos
Verás irada a natureza em cio,
E os deuses desgrenhados e convulsos
Beijando em coro as Náiades do rio!...
Publicado no livro Rosas negras (1938).
In: DELFINO, Luiz. Os melhores poemas. Sel. Lauro Junkes. São Paulo: Global, 1991. p.83. (Os Melhores poemas, 23Altar sem Deus
Inda não voltas? — Como a vida salta
Destes quadros de esplêndidas molduras!
Mulheres nuas, raras formosuras...
Só a tua nudez entre elas falta ...
Pede-te o espelho de armação tão alta,
Onde revias tuas formas puras;
Pedem-te as cegas, lúbricas alvuras
Do linho, que a Paixão no leito exalta.
Pedem-te os vasos cheios de perfume
Os dunquerques, as rendas, as cortinas,
Tudo quanto a mulher de bom resume,
Escolhido por tuas mãos divinas...
E sai do teu altar vazio, ó nume,
A tristeza indizível das ruínas ...