Manoel Herzog

O HOMEM QUE VIROU SAMBA


Altino vive na rua
Não bebe, não fuma pedra
Só vive na rua, mendigo.
Às vezes toma chuva e nem liga
Dorme atrás do cemitério
E seu cobertor fede a mijo.

Dizem que Altino tinha casa
Era mecânico da Volks, ganhava bem
Tudo na vida dele ia.

Um dia a mulher de Altino
Largou ele e foi morar na rua
Com um velho mendigo
Que não tinha merda nenhuma pra oferecer pra ela.

Depois dessa desilusão Altino agarrou de ser mendigo
Talvez na esperança que ela volte pra ele
Já que ela gosta é disso.

AMOR INDIGENTE


Aquele amor cantando pelos bêbados
É o mesmo amor que em mim é reprimido
Por quem diz: “Faça assim, não faça assado”.
Eu não suporto ninguém no comando.

Aquele amor que trago sufocado
O dia todo e que te entrego à noite
É o mesmo amor que têm os vagabundos,
Mas, meu amor, não chores só por isso.

O meu amor não pode ser mais puro
Pois meu amor nasceu numa sarjeta,
O meu amor nasceu alcoolizado,
Blasfema, arruma confusões, e apanha.

O meu amor, que às vezes te acompanha
Se dói por não acompanhar-te sempre
É porque o meu amor às vezes sente
Vontade de ir só por aí, vagando.

O meu amor, que eu acabo te dando,
Não, ele não é teu, nem meu tampouco –
Entende, meu amor é muito louco,
Demora a levantar e perde a hora.

O meu amor bate o ponto atrasado
E, quando chega no trabalho, chora.

FIM DE NOITE


Tão louco que a noite
Se esvai num minuto
Tão louco que escuto
Vozes que não ouço.

Tão louco que dentro
De mim grita um fauno
Que toca uma flauta,
Tão louco que é calmo

Tão louco que d’antes
Já fora de noite
Agora amanhece
E eu aqui, tão louco.

Louco fim de noite
No fim solitário.
Riam-se os malandros
Deste pobre otário.

Tão louco, maluco,
Caduco e demente
Cena deprimente
De final de festa

Tão louco me sinto
Doido quando todos
Ficaram caretas
E eu pareço um bobo

Que ainda me rio,
Que ainda, até, flerto,
Tão louco, coberto
Das razões da vida.

Tão louco me tenho
No final de tudo.
Todos se arrumaram,

E eu fiquei sozinho.

CIÚME LATINO EM TEMPOS DE INFORMÁTICA


Se você um dia se deixar compartilhar,
Se alguém comentar,
Nunca mais falo in box com você.

Nem tampouco, muito menos,
Tente puxar conversinha comigo nos comentários
Dos posts alheios.
Não vou mais querer papo.

Se você curtir qualquer coisa que não seja eu
Ou se eu souber, desconfiar, suspeitar
Que andou alguém curtindo você,
Vai dar merda,
Que eu me conheço.

Eu sei quem são todos os seus amigos
E visito a página de um por um atrás de pistas
Tem um, particularmente,
Que acho deveras filho da puta.

Se um dia nossa relação virtual for pro saco
Não me venha dizer que quer continuar
Sendo minha miguxa
Porque eu nunca mais que vou tc com vc
Passo mais é uma borracha etérea em cima de tudo
Apago da memória, danifico os bytes que um dia registraram tua doce presença na minha vida paralela,
E, por fim, desfaço a amizade,
Excluo você do meu facebook –
Não sem antes me matar de mentirinha.