Autopoema
Marco lucchesi
é o nome
de uma nuvem
árdua pluriforme
ligeira
e imperscrutável
que se desmancha
na medida
em que se mostra
Tão maleável
como
um serafim
tão
orgulhoso
como um paquiderme
Um poço
estranho
mudo
e longilíneo
O medo para
fora e o grito
para dentro
Marco lucchesi
nuvem
paquiderme
fera abismo
sem fundo
anjo da terra
Monstro de
cega e fatal
contradiçãoFarmácia
Eu nada sei
do mal de que padeço
e todavia confesso
o que me aflige
Sinto dores fortes
quando vejo o azul
a beleza me fere
espanta e fascina
o passar do tempo
me dá vertigem
e me prende
em suas teias irreversíveis
os pássaros me deixam
intranquilo no ocaso
e quando vejo seu rosto
meu coração dispara
Preciso de um remédio
para curar-me do mal de ter nascido.Orquídeas
Orquídeas
resplandecem
no quintal
a geometria
de fogo
de suas pétalas
e a forma
do silêncio
em que se apóiam
trago
o coração perdido
e os olhos tersos
da breve epifania
toda flor
desponta
no seio do silêncio
e ao seio
do silêncio
acorre e se dissolve
lembro
de Hardy
indo ao
fundo
silêncio
dos gregos
teoremas
cheios
do frescor e da beleza
de quando foram descobertos
dois mil anos
e sequer
uma ruga
em seu puro semblante
(Euclides
e a infinidade
dos números primos
Pitágoras
e a raiz quadrada
irracional de dois)
os desenhos
do matemático
e do poeta devem
ser belos
flores
teoremas
desmaiam
em súbitos
jardins
orquídeas
e bromélias
florescem
em crepúsculos
fugazes
- a beleza é a primeira prova
da matemáticaComo dizer Villaça
Como dizer Villaça
os medos
que devastavam teu coração?
o mosteiro errante
ao qual pertencias
e para o qual não sabias voltar
monge sem mosteiro
saltimbanco de um
circo místico
o perene abandono
de deus
e dos homens
sob cuja
sombra inquieto
te guardavas
esse crepúsculo de amores
não vividos
e tua anfíbia
condição de céu
e terra pecado
e salvação
essa memória
impenitente
era teu inefável luminoso labirinto
a luz
de que surgiam
os mortos
para tomar café
todas as tardes
na praia do flamengo
teu coração
feroz
e compassivo
e os mortos devastados
redivivos pelo deus cruel
e solitário da memória
das sentenças
de Abelardo aos livros
de Gilberto Amado
das cartas de Alceu
aos poemas
de Drummond
um deus que não sabia
nada de si mesmo
preso às teias de um fatal esquecimento
a tirania sagrada
que impuseste para esconder
as formas frágeis de teu rosto
tuas palavras tendiam
ao silêncio transformadas
de há muito em estrelas
e um anjo precisaria
arrancá-las de teus olhos
antes que se dissolvessem
na luz
das coisas
fundas que alcançavas
mas ele não veio
e te salvaste apenas
das atrocidades do mundo
não do abismo
de tua vasta
mortal delicada inocênciaMarco lucchesi
Marco lucchesi
é o nome
de uma nuvem
árdua pluriforme
ligeira
e imperscrutável
que se desmancha
na medida
em que se mostra
tão maleável
como
um serafim
tão
orgulhoso
como um paquiderme
um poço
estranho
mudo
e longilíneo
o medo para
fora e o grito
para dentro
marco lucchesi
nuvem
paquiderme
fera abismo
sem fundo
anjo da terra
monstro de
cega e cabal
contradição