Maria Ângela Alvim

A volta


Tão só em prosseguir busquei sentido
e o caminho é sem regresso a quem caminha
por nenhum instinto além reconhecido.
Espaço meu ou de loucura, era sozinha.

Vinha de não sei onde, lar perdido
de mim mesma, ou infância. Vinha
quando apenas vi que recobrara o ido
antigo estar em tal estância, minha.

E tudo que abandonei, o a que deu termo
muda solidão pairando em grito ermo,
largo deserto visto em falso medo,

tudo que abandonei, faz companhia.
Enquanto, indo, um ocaso brando me assistia
eis que amanheço em mim, volto a ser cedo.

Estou e não me respondo


Estou e não me respondo.
Assisto. Em mim se decide
um inútil afã e se some
a vida que me preside.

E passo, ainda... Meu nome
há muito não coincide
comigo se estar se consome
e tantas vezes me elide.

Me move o tempo mais frio
de tanto pranto afogado
num quase mito de mim.

Vou morando em desvario
quase em sonho inaugurado
para um começo, meu fim.

Carta a Maria Clea


Embora faça sol, a dor oprime a altura.
Converso com você, mas sei que é conjetura.

E sendo aqui montanha, verdade aprofundo:
Por quê? Por que nos nutrirmos deste mundo?

Deste mundo, exilio, — porta de nossas perdas
onde o tempo nos soma pelas horas esquerdas.

Não sabemos talvez, ou em saber não bastamos
que o mundo é sedento e nós o desalteramos.

Secam rios de pranto onde a sede se apura
e desagua o labirinto de uma carne obscura.

É preciso nos nutrirmos deste mundo, — quantos
somos, sirvamos à sua fome, — fome de tantos.

Estar ser auxílio


Estar ser auxílio. Pensa
só estar sem movimento
de amor, de medo, querença.

E ficar, deixando o espaço
de lembrança, alheamento
de mim, entre idéia e passo.

E durar, quase num sonho
de si mesmo descoberto
conter-me no meu tamanho
de ser tudo e ser deserto.

Permanecer - e me oponho
no tempo, domínio incerto.
Espero? Não. Ah!, que estranho
estar sonhando tão perto.

enquanto a vida


Só, — enquanto a vida
mais distante esmaecia
e prosseguir — tão só — era oriente
(o caminho é sem retorno, se não existe
nenhum instinto além que o reconheça,
e o passo gratuito pronto ignora
o outro passo)
só, eu prosseguia.

Num fim remoto, silêncio ensurdecera
— quem sabe a paz, memória resignada
que tantos sentidos deslembraram?
Quem sabe o adeus de um deus que se prepara?

E, sem saber,
num espaço meu
ou de loucura,
— só, estranha em mim,
eu regressava.

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