Mário Rui de Oliveira

Mark Rothko


Mede a tapeçaria como quem entra no santuário e quebra o espelho de
uma ausência. Suas cores são um milagre. De púrpura violácea, de
púrpura escarlate, de púrpura carmesin.

Assim o manto do seu encontro. Feito de romãs e sinos de oiro. Da
matéria dos holocaustos.

(para José Tolentino Mendonça)

Lispector


Palavras larvares do mais esquecido magma. Ferem, queimam, vomitam a
matéria viscosa que corre nas veias. O mais difícil é escrever quando
a morte espreita, verde, em cada linha.
Tímidas teias, as mãos onde tudo se arrisca. Um bosque de matéria
inorgânica, evidentemente lancinante, o caminho até à tua fechadura.
A vida é uma história ainda mal contada, querida Clarice.

Em estado puro


Em estado puro

Numa das esculturas de Giacometti, tocadas ainda de fogo, um homem
caminha, em movimento solitário e eterno. Não sabemos se entra, se
sai da morte, mas conseguimos reconhecer, na nobreza do cobre, a
própria condição humana. Como benção ou danação, o escultor devolve-
nos a vida em estado puro.
Viver é também isso. Percorrer um campo de anémonas, quase com
vergonha do que trazemos escondido, na mão.