Pedro Henrique Saraiva Leão

Poema


estes olhos que vedes e que vos vêem
já viram olhos como eu vejo,
viram lábios mais vermelhos
(não aqui : noutros espelhos)
do que o encarnado do vosso beijo

estes olhos que ausentes me contemplam
agora, reconhecem, por certo, os de outrora
que vos olhavam olhavam, presentes,
vos olhavam da noite à aurora;

estes olhos, ora quedos, ora alados,
vezes ledos, outras tristes,
olhos de si amotinados, olhos
que cegastes pois tanto vistes,

olhos que vêem ermos, e
que se inundam de prazer, de dor,
olhos que querem ver -
estes olhos, são os mesmos, meu amor

Não Tenho Medo de Câncer


Não tenho medo de Câncer

temo que canses de mim;

não temo ficar mudo

mas que não fales em mim

temo, que não me vejas
não que me vazem os olhos;
ser decapitado não temo

temo que não penses em mim;

não temo ficar surdo
e sim que não me ouças;

não temo o ventre da baleia
nem a cama do faquir, as brumas do passado
ou aquelas do porvir;

não temo a febre amarela,
mas não amar-me um dia
friamente, com calor
ou o marfim do teu dente, temo;

não temo as estatísticas
os riscos que corremos:

temo que não celebremos o erro certo
o incerto acerto que tecemos,
que como estátuas fiquemos
para abraços braços não tenhamos
para beijos bocas não mostremos
que não nos pertençam os sonhos que sonhamos.