Povo que lavas no rio
Povo que lavas no rio
Que talhas com teu machado
As tábuas do meu caixão
Há-de haver quem te defenda
Quem compre o teu chão sagrado
Mas a tua vida não
Fui ter à mesa redonda
Beber em malga que esconda
Um beijo de mão em mão
Era o vinho que me deste
Água pura em fruto agreste
Mas a tua vida não
Aromas de urze e de lama
Dormi com eles na cama
Tive a mesma condição
Povo, povo eu te pertenço
Deste-me alturas de incenso
Mas a tua vida não
Obrigado
Por teu sorriso anônimo, discreto,
(O meu país é um reino sossegado...)
Pela ausência da carne em teu afeto,
Obrigado!
Pelo perdão que o teu olhar resume,
Por tua formosura sem pecado,
Por teu amor sem ódio e sem ciúme,
Obrigado!
Por no jardim da noite, a horas más,
A tua aparição não ter faltado,
Pelo teu braço de silêncio e paz,
Obrigado!
Por não passar um dia em que eu não diga
— Existo, sem futuro e sem passado.
Por toda a sonolência que me abriga...
Obrigado!
E tu, que hoje és meu íntimo contraste,
Ó mão que beijo por me haver cegado!
Ai! Pelo sonho intato que salvaste,
Obrigado! Obrigado! Obrigado!
Revelação
Tinha quarenta e cinco... e eu, dezesseis...
Na minha fronte, indômitos anéis
Vinham da infância, saltitando ainda.
Contavam dela: — Já falou a reis!
Tinha quarenta e cinco... e eu, dezesseis...
Formosa? Não. Mais que formosa: linda.
Seu olhar diz: Seja o que o Amor quiser
A verdade planta que os meus dedos tomem!
Pela última vez foste mulher...
E eu, pela vez primeira, fui um homem!
Poema
Noite. Fundura. A treva
E mais doce talvez...
E uma ânsia de nudez
Sacode os filhos de Eva.
Não a nudez apenas
Dos corpos sofredores
Mas a das almas plenas
De indecisos amores.
A voz do sangue grita
E a das almas responde!
Labareda infinita
Que nas sombras se esconde.
Mas quase sem ruído,
Na carne ao abandono
O hálito do sono
Desce como um vestido...