Raimundo Fontenele

Poética


curvos e curvas
sopram mais que males
no cordão dos ares
da verdade nua
nua e crua como
a palidez do sono
quando a natureza
dos pés à cabeça
nos pergunta: como?
palha gralha linda
calvo favo aceso
lâmpada do nada
sobre o pó desfeito
de um chão fugido
por bicar um pássaro
maçã tarde e calma
Ah! eu adormeço...
longe e longo tomo
um farol sumido
nos confins da noite
grito, coração, que grito?
fala para a ala
dúbio alvorecer
fala parasia
antes de morrer
do capim dourado
morivigerando
no verdor da lua
salta o sol de quando
tudo era na erva
o fluxo de existir
vida-taça, gota
do ser no devir.

O Cavalo das Horas


era um cavalo negro sem tamanho
no prado sul do mundo onde corria
o sangue dos ginetes destroçados

era um cavalo grosso reluzente
varando espaços fortes velozmente
tangido a um prado e a outro sempre-sempre

era um cavalo branco frio mudo
em cujos olhos crianças se atiravam
na sela da manhã no chão no limbo

era um cavalo horáculo fogoso
sustentando o peito três medalhas
de heróis tombados sobre o véu do muro

era um cavalo azul de tanto medo
de patas farejando o firmamento
onde pessoas e prantos misturaram-se

era um cavalo verde só de sono
que carregava os tristes para um outro
campo de plantação devasso / puro

era um cavalo novo nova idade
secular instrumento da discórdia
que não subia ao céu nem ia à terra