Reynaldo Bessa

quando eu tinha oito anos


quando eu tinha oito anos
descobri o tempo.
ele estava numa plaqueta,
numa mercearia
dizia:" fiado só amanhã"
foi aí que percebi que o tempo
não posa para fotos

um dia


um dia
caminhei descalço por entre as poças
deixadas pela chuva.
meus pés balançavam as estrelas,
baldeava o céu
relampejava e eu não tinha medo.
como pode alguém com fome
ter medo de relâmpagos?

como figurinhas coladas


como figurinhas coladas
no horizonte,
navios iam e vinham parados,
fugiam dos nossos olhos
da margem, da terra, de longe,
de muito longe eu embarcava neles, pedindo;
navios, navios, me levem a lugar nenhum.

uma noite


uma noite
minha mãe
puxava-me pela mão
éramos quatro;
eu, ela, o medo e a pressa
disso lembro-me bem
enquanto os três conversavam
eu pregava os olhos nos olhos tristes das casas e
me dava uma tremenda vontade de perguntar
"mamãe, o que elas têm?"

quando cai da rede


quando cai da rede
vi que eu existia mesmo
minha mae apareceu no umbral da porta
logo, meu pai, nu, nasceu de uma sombra e a puxou
ele queria terminar de foder com ela, e
parece que comigo também
os dois, silenciosamente, desapareceram na sombra
vi que eu nao existia mesmo
quando cai da rede.