Salgado Maranhão

Desamanhecer


Agora,
na cidade da tua ausência
outro dia
desamanhece. E súplice
um grito escorre na paisagem.
Todos os lugares
são feitos do teu antes.
Da janela,
a noite chega
com as mãos vazias. E
tudo ao fim se esvai
em volta
como um tecido de ventos.

Só meu coração insiste
em erigir teu nome...
para além do esquecimento.

Do Raio


Nem o acre sabor das uvas
nos aplaca. Nem a chuva

nos olhos incendidos
devolve o que é vivido.

O magma que nos evapora
tange o rascunho das horas

sob um raio de suspense.
Nem o que é nosso nos pertence.

ALQUIMIA


Para T.T.

Minha África está repleta
em mim. E é dela que acordas
minhas transparências; e é
dela que alago as tuas vinhas
e os teus mistérios.
Tuas minhas Áfricas são meu refúgio
desesperado; donde serei
teu posseiro de reentrâncias; teu
imperador de afetos.
E é assim que quebrarei
tuas ânforas de mel
para doar teu necta ao vento,
como quem parte um cristal
para torná-lo em ouro.

Do Arbítrio


Das estrias que a mão
esculpe
só o que brilha
sobrevive.

Nômade a manhã
despe o sol
à flor
da carne,
múltipla,
à vertigem da linguagem.

Não há comportas
nem caminhos

não há saaras
nem vienas

em tudo há rinhas
e arestas
de flores
e esquifes.

Em tudo entalha-se
ao revés
coisas que se mostram
e não se dão,
que só no verso vêem-se,
no peeling pelo avesso.
(Delitos que em seu exílio
transbordam de rubro
a lira,
resenham através do júbilo,
rasuram através da ira.)

Sopra revanche de ritmos
no íntimo viés do não dito,

sopra o arbítrio dos dias.

ESTILETES


Tornaram-se estiletes,
no que eram brotos de chuva.
Agora,
brotam em qualquer parte —
em plena luz do dia.
Como um chão de navalhas.